Entre leigos e profissionais da saúde, redes sociais têm sido canal de discussão sobre o assunto;  vídeos podem, no entanto, gerar desinformação e autodiagnóstico

Por Manu Lima

Quanto tempo é necessário para receber o diagnóstico de um transtorno psiquiátrico? Com a popularização do TikTok e demais redes sociais, conteúdos que citam características relacionadas a transtornos mentais ganham cada vez mais espaço e propiciam o debate sobre o assunto, mas também o auto diagnóstico equivocado.

Dificuldade de organização, falta de atenção, instabilidade emocional. Traços de personalidade ou TDAH? Essa pergunta assim como muitas outras que se relacionam ao diagnóstico de um transtorno mental não tem uma resposta simples, mas, / a partir de conteúdos criados por profissionais como psiquiatras e psicólogos nas redes sociais, muitas pessoas tem seu primeiro contato com a ideia de possuir algum tipo de neuro divergência.

Para o psiquiatra e criador de conteúdo Albert Mojzeszowicz, trata-se de um fenômeno importante tanto para profissionais da área da saúde quanto para a sociedade em geral. O médico viu no aumento do interesse pelos assuntos da psiquiatria nas redes uma oportunidade de compartilhar suas experiências na prática médica. “É preciso ponderar que a diminuição do estigma sobre os transtornos mentais e o aumento da visibilidade para condições neuro divergentes também facilita o diagnóstico para médicos e psicólogos”, afirma

A maior propagação de informações colabora também para o aumento de uma ocorrência relativamente nova nos consultórios, o chamado diagnóstico tardio. Aos 52 anos de idade, a atriz Leticia Sabatella revelou, no mês de setembro, ter sido diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista).

O mesmo aconteceu com a psicóloga e analista do comportamento Daniela Perine que, aos 40 anos, foi diagnosticada com TDAH. “Os conteúdos das redes sociais do tipo “como é o dia a dia de um adulto com tdah”, foram muito importantes para o meu diagnóstico”, conta. Mesmo tendo conhecimento sobre o assunto, Daniela começou a identificar sinais do transtorno ao seguir conteúdos na rede social que tratam sobre o transtorno. “ Foi a partir daí, e esse é o principal ponto, que eu fui em busca de uma avaliação neuropsicologica”.

Quando realizado por profissionais especializados, a identificação de um transtorno mental pode durar meses e é feita a partir de diversos encontros, conversas e muitas vezes exames e testes.

Conteúdos criados por pessoas comuns e sem formação especializada podem gerar, no entanto, uma série de desinformação, pseudo diagnósticos e estereótipos sobre estes transtornos. há também É o caso, por exemplo, de vídeos do tipo “Se você abaixar mais de cinco dedos você tem TDAH” ou “Coisas que eu achava normal, mas eram autismo”.

Esse tipo de conteúdo tem um alcance massivo. Em levantamento realizado pela reportagem em outubro de 2023, as três maiores hashtags com nome de transtornos psicológicos somam 36,2 bilhões de visualizações.

Levantamento realizado pela reportagem em outubro de 2023, por meio da plataforma TikTok Ads

Esses vídeos, constantemente, seguem a mesma fórmula.Algumas características de personalidade ou de comportamento são citadas de forma generalista.  Havendo identificação da pessoa, eis o diagnóstico. O psiquiatra Mojzeszowicz ressalta que apenas o diagnóstico individual, feito por profissional especializado, é capaz de identificar as nuances de um transtorno. .“O diagnóstico psiquiátrico é muitas vezes frágil e provisório, necessitando de um seguimento longitudinal para um diagnóstico de certeza”, explica  Mojzeszowicz.

A não fiscalização  de conteúdos deste tipo, que viralizam na rede,  também é colocada em questão por especialistas e despertou o interesse de pesquisadores do Centro de Psiquiatria da Universidade de Toronto no Canadá. Eles  realizaram um levantamento sobre o tipo de informação presente nos vídeos associados à hashtag ADHD (Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder) em português, TDAH (Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade).

O estudo, publicado em 2022, analisou 100 vídeos e os categorizou entre enganosos, relatos de experiências e úteis. Apenas 21% dos vídeos puderam ser definidos como pertencentes a última categoria, enquanto  52% foram classificados como enganosos. 

Ao analisar os vídeos enganosos, os pesquisadores puderam notar que mais da metade deles atribuía ao TDAH sintomas comuns de outros transtornos psiquiátricos e que nenhum dos vídeos incentivava a procura por um profissional da área. 

O artigo ressalta ainda que há certo perigo na combinação entre assuntos complexos e conteúdos simples que pode gerar uma banalização dos diagnósticos de transtornos psiquiátricos.

No último mês de agosto, o termo TDI (Transtorno dissociativo de personalidade) teve um crescimento de 90% nas buscas realizadas no Google depois da viralização da conta Sistema Resiliência, criada por Giovana Blasi. Os dados foram levantado por meio da ferramenta TikTok ads. Na conta do Tik Tok,  com vídeos curtos, Giovana falava sobre como é seu dia a dia com esse transtorno e colocava em evidência algumas das 18 personalidades que fazem parte do chamado sistema. Também comentava sobre o seu autodiagnóstico, realizado, segundo ela, com a ajuda de uma amiga e por meio de informações adquiridas na internet.

Para Mojzeszowicz, trata-se de um fenômeno complexo. “As redes sociais passaram a ocupar um papel de referencial da normalidade e as pessoas tendem a se comparar com o que vêem na internet, quando a pessoa se desvia dos estereótipos colocados por aí, precisa de um rótulo para se sentir pertencente a uma comunidade”.

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