Midiatização da violência contribui para aflorar um espírito vingativo e desumano nos indivíduos, levando-os a acreditar na adoção de leis penais severas

A influência de apresentadores de programas televisivos na formação de opinião pública têm sido atroz, fomentando, na população, sentimentos de cólera e desespero.

Por Letícia Hasman

O populismo é uma forma ideologicamente neutra de fazer política que busca a simpatia das classes sociais mais baixas através de um discurso voltado para as massas, defendendo seus interesses mediante políticas paternalistas e assistencialistas. O cientista político holandês, Cass Mudde, entende o populismo como uma ideologia rasa que considera a sociedade dividida em dois grupos antagônicos, o ‘povo puro’ e a ‘elite corrupta’. Logo, líderes populistas concentram suas narrações em defesa da união das massas que sabem ter interesses irreconciliáveis.

Para o estudioso, no cerne da prática populista está o contato não institucionalizado entre o líder e as massas, criando a ilusão de um “amigo pessoal” dos pobres que se importa com a sua situação individual. Essa manipulação, de aparente aproximação e revolta contra o sistema político-econômico, induz o povo a sustentar o desempenho do governo populista conforme este promove políticas públicas que são apresentadas como a solução para os problemas das massas, mas que, na verdade, omitem o descaso e desinteresse dos políticos em contornar a desigualdade.

Nos dias de hoje, o populismo assume uma nova feição, em que busca a supervalorização do crime procurando ampliar a sensação de insegurança e o sentimento de medo nas pessoas, para construir uma realidade falsa de proliferação desenfreada da violência no país. Para isso, a mídia pauta as notícias negativas e alimenta os telespectadores com discursos vingativos, cujo propósito é fomentar a ideia de que o cárcere, a pena de morte e mais poder aos policiais são medidas que tem condições de paralisar a criminalidade. Assim, ao midiatizar a violência, estamos diante do chamado “populismo penal midiático” onde aflora um espírito vingativo e desumano nos indivíduos, levando-os a acreditar na adoção de leis penais severas.

A imprensa sensacionalista, também conhecida como imprensa popular, exprime o cotidiano das metrópoles como se o ângulo de observação fosse do povo. Daí o emprego do linguajar popular, a gíria e palavrões. Muito mais do que somente intencionar aproximar o apresentador do telespectador, divulgar uma notícia, uma imagem ousada, explorando uma matéria capaz de emocionar ou escandalizar, a linguagem chocante e exibicionista é usada no intuito de chamar a atenção do cidadão comum esmagado pela crueldade social e provocá-lo, fomentando a indignação frente a sua situação de desamparo para, no fim, instigar uma espécie de desejo pela vingança.

José Luiz Datena, apresentador de televisão e âncora do programa Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes.

Na televisão brasileira, são os principais programas sensacionalistas e policialescos o “Brasil Urgente” na Bandeirantes, “Cidade Alerta” na Rede Record, “Alerta Nacional” na Rede TV e “Linha Direita” na Globo. Todos esses se apresentam da mesma forma: extraem do fato a sua carga emocional e apelativa; não se prestam a informar, mas a satisfazer as ânsias instintivas do público; priorizam o impacto, transformando uma briga de rua em guerra, transmitindo ao vivo uma operação policial com direito a tiroteios, ou às vezes inventar a matéria quando os ingredientes não são suficientes para impressionar.

O telejornal “Brasil Urgente” exemplifica o fascínio pela violência e pela ação policial do gênero sensacionalista. Nele, o apresentador José Luiz Datena narra as matérias sobre crimes em ritmo acelerado, em tempo real, em “linha direta com os fatos”, dando pouca margem para o telespectador compreender os acontecimentos. Propositalmente, pois, como já postulou Pierre Bourdieu e Marcondes Filho, a velocidade e a simultaneidade do tempo presente dificulta o pensamento porque a velocidade é contrária à reflexão. Datena, também, assume a postura de um jornalista que entende o povo. Isso ocasiona na pessoa que assiste uma projeção de alguém que se encarregou de fazer justiça – compartilhar de sentimentos, sensações, angústias e alegrias permite que o indivíduo se enxergue na televisão, se sinta representado. O apresentador, portanto, diante da inoperância do sistema judicial e da ineficácia das instituições públicas na resolução de problemas sociais, se apresenta como um justiceiro e advogado das vítimas.

A coloquialidade de programas sensacionalistas, ao mesmo tempo em que pretende fortalecer a identificação com o público, retrata o marginalizado como violento, bandido e potencial criminoso. É dentro desse discurso ambíguo, onde a violência urbana é geralmente associada aos delitos cometidos pela classe popular, que o marginalizado, o morador das favelas e bairros pobres, é identificado como parte de grupos que, potencialmente, recorrem às ações violentas.

O telejornal segrega as classes populares ao representarem-nas como violentas, estereotipadas. Tipificando pessoas e grupos de comportamentos desviados, o discurso realça o estigma do criminosoe omite as razões da criminalidade, as proporções da exclusão e da desigualdade social.

Para os meios midiáticos brasileiros – em especial o televisivo – é necessário criar um estereótipo. O discurso específico, que reforça preconceitos e propicia o julgamento popular, é adotado a fim do acusado de crimes ser retratado como um ser bestializado, maldoso e sem sentimentos. Isso objetiva gerar repulsa e medo, impossibilitando o sentimento de empatia e solidariedade para com os acusados, cujos pontos de vista são ausentes na mídia.

Neste cenário, no qual os crimes são apresentados seletivamente, aos acusados restam o silêncio e esses acusados tornam-se espectadores da transformação da própria imagem em um inimigo do Estado, em um bode expiatório – o que não é de causar espanto já que o perfil do “detento típico” não é arbitrário. A probabilidade de ser preso está diretamente associada aos fatores de raça/cor/etnia, ao grau de escolaridade, a posição ocupada na estrutura de classes e a faixa etária, consequentemente cria-se um retrato da orientação para o encarceramento voltada particularmente para jovens, negros e pobres.

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