Marianna Montenegro

Escrever como parte de uma rotina, como parte do que se é, escrever por escrever ou por profissão. Escrever com dom, escrever com esforço. Escrever porque precisa. Engana-se quem acha que escrever é coisa simples. Escrever é uma atividade complexa, para alguns necessária, e que demanda tempo, entrega e esforço.

No livro “Do que Falo quando Falo de Corrida”, Haruki Murakami conta um pouco de sua experiência como romancista e como corredor. Há tantas semelhanças entres esses dois hábitos e ele demonstra de maneira simples como as linhas dos textos e das pistas se cruzam.

Desde de um comprometimento, de uma força de vontade e controle da mente, até o foco, a persistência e a resiliência, a corrida e a escrita se misturam tão intensamente que se tornam quase como coisa refletida e seu reflexo. Já corri, não como Haruki, assim como já escrevi, também bem longe de como escreve o autor, mas, ainda assim, posso afirmar como foi sagaz misturar essas duas práticas numa grande metáfora. 

Para correr é preciso controle, aprender a respirar e a pisar corretamente, é preciso mudar a alimentação, melhorar hábitos para alcançar uma melhor distância em um melhor tempo. Assim, como é preciso aprender o encaixe das palavras, descobrir a si mesmo como um construtor de texto a seu próprio modo, mudar hábitos, buscar na vida poesia, viver acordado sem ser sugado pela rotina, pois só assim se enxerga belezas do cotidiano.

E acredito que o fator que instiga a realizar ambas as atividades é o mesmo: a conquista pessoal. A força motriz, muito além da linha de chegada, está no caminho percorrido. E quando falo de caminho percorrido, refiro-me a toda trajetória composta de diversas corridas até a mais recente. “Forçar a si mesmo ao máximo dentro de seus limites individuais: essa é a essência de correr, e uma metáfora aplicável à vida e, para mim, ao ato de escrever, também”, assim define o autor.

Adiciono ainda o prazer como impulso que mantém a persistência ativa. Não adianta forçar-se a escrever ou a correr, se não lhe agradar a experiência. É preciso gostar para então se desafiar. Durante uma corrida, sua mente vai dizer que não é capaz, que está cansado, que é melhor desistir, mas continua correndo e escrevendo pois abandonar um livro ou uma maratona não é uma opção. Mesmo que, no fim, seu tempo esteja longe do esperado ou o romance distante da maneira como sonhou, pode-se dizer que foi até o final e assim é capaz de melhorar fraquezas e recomeçar.

Tanto na escrita quanto na corrida, não se pode ter pressa desmedida, não se pode achar que vai ser um bom corredor ou um escritor da noite para o dia. Os afobados são os primeiros a desistirem. É preciso procurar em si erros e não desanimar ao achar uma porção deles. A comparação é uma falsa amiga, pode parecer um bom método avaliativo, quando, na verdade, é uma bela forma para se desmotivar. Não é possível saber o esforço do outro, ou a quanto tempo escreve ou ainda o biotipo genético que possui, não é possível saber quais experiências o tornam criativo, ou o que levou ele a ter um suposto dom. Será o dom um mimo divino a pessoas afortunadas ou será ele, na verdade, um esforço de uma vida que gerou resultados? De qualquer maneira, comparação em qualquer área é um grande erro, já que somos todos pessoas únicas e distintas.

Agora, inspiração, essa sim deve andar, ou melhor, correr de mão dadas com o escritor e o maratonista. Ler o outro, entender novas maneiras de ver o mundo, achar tão bom um texto a ponto de querer ter tido aquela ideia primeiro, isso sim motiva alguém a se superar. Talvez exista o dom, simplesmente dado por uma entidade divina, mas o talento pode ser conquistado com prática, estudo, concentração e vontade. 

A escrita e a corrida são atos de liberdade. Tiram as amarras da lógica, do certo, do real. Na corrida, consegue-se dar um sossego para a mente, seja deixando-a vazia, seja permitindo que corra pelos caminhos que quiser, da maneira que tem vontade, sem precisar de conexões entre um pensamento e outro, sem precisar fazer sentido. Na escrita, pode-se liberar o que explode dentro do corpo da forma que achar mais interessante, sem precisar necessariamente da verdade, sem precisar ficar no mundo real. Haruki afirma que não acredita que as pessoas corram para viver mais, mas porque querem viver ao máximo. E assim acredito que seja com a escrita, pois é a partir dela que se potencializa a vida ao seu ápice e ainda se pode extrapolar em imaginação.

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