Pamela Raposo da Silva
As “bolhas sociais” são noivas para as novas formas de comunicação humana. Visando mitigar o acesso aos campos fatalmente ignorados pela população massiva como a política e o meio ambiente. A intermediação é impulsionada pela ascensão cada dia mais pujante dos algoritmos, sendo estes, suscetíveis à manipulação de grandes empresas, regimes ditatoriais, ou ainda, à capacidade de auto-censura da mídia em termos de pluralidade editorial.
Com isso, observa-se uma vasta gama de pessoas acreditando que o controle sobre a liberdade de expressão ocorre de forma relativa, injustificável pela constituição proclamada em 1988 no Brasil, a qual define limites claros para expressar sua opinião quando a mesma refletir em discursos de ódio e preconceitos – a punição por violação dos direitos humanos.
Visto isso, o cidadão moderno atinge pontos jamais trabalhados em registros por outras sociedades: o vício concreto na tecnologia que aliena o indivíduo, e o induz a perspectivas equivocadas da (re)produção de conteúdo no ambiente cibernético.
Em “A República”, de Platão, em meados do século V a. C, há uma discussão de Sócrates com o seu interlocutor Glauco, intitulada a “Alegoria da Caverna”. A alegoria consiste em uma visão sobre a realidade construída através da ignorância dos indivíduos perante as banalidades do cotidiano, utilizada em abundância como forma de interpretar o mundo moderno. O diálogo entre Sócrates e Glauco tornou-se uma referência importante no campo da educação e da política.
O mito da caverna
O mito conta a história de uma caverna onde os prisioneiros viviam desde a infância. Nesta caverna escura, havia uma parede iluminada pelas chamas de uma fogueira colocada ao lado dos prisioneiros. Além disso, eles estavam acorrentados de certa maneira a não enxergar outras visões senão aquelas que já estavam acostumados: as sombras dos homens que passavam com objetos atrás de uma parede submetida especialmente para os prisioneiros que ficavam ali encostados durante toda a vida. Alguém tinha-os colocado lá, e visavam entretê-los com imagens das sombras.
Sempre que ficavam entediados, novas imagens passavam. O mais inteligente entre os prisioneiros era, claro, aquele que lia as sombras melhor. Certo dia, um dos prisioneiros conseguiu se soltar das correntes e, ao explorar a caverna, viu uma luz muito mais clara do que a fogueira que estava acostumado. Entretanto, precisava escalar para chegar até lá, tendo em vista que a caverna era totalmente submersa. Foi em direção à luz rapidamente, mas tinha
que escalar para conseguir escapar da caverna, porém, não havia forças em suas pernas, os músculos eram frágeis demais para conseguir. Mas não parou, até que conseguiu chegar ao topo.
No primeiro momento, a luz ofuscou-lhe os olhos. Começou devagar, olhando para baixo, vendo as sombras do mundo que acabara de conhecer. Os seus olhos acostumados com a escuridão, agora enxergava tamanha claridade, ao ponto de não conseguir fixar uma imagem sequer. Pela primeira vez conhecia o contraste gritante entre a escuridão e a claridade. Foi aí que se encantou pelo mundo externo, e quis voltar para tirar os seus companheiros da caverna. Quando voltou, taxaram-lhe de louco. Deduziram com absoluta certeza que a totalidade do mundo estava sob seus olhos, e como nunca haviam visto o mundo para além da caverna, conhecê-lo estava longe da sua realidade.
A comparação com o real
O mito foi utilizado para explicar vários contextos, sobretudo na política. O prisioneiro que se libertava das próprias correntes e voltava para ajudar os companheiros que continuavam em estado de enclausuramento, era o político para Platão.
Na atualidade, a alegoria está em cada um de nós, agora conectados por laços tecnológicos, substituindo as correntes. Os algoritmos nos prendem para que possamos ver apenas aquilo que julgamos como interessantes. Para eles e para nós, tornou-se conveniente estar nas redes sociais buscando cliques incessantemente, é um show de banalidades, atuando como imprescindível para a alienação do indivíduo moderno às redes.
Nessa grande caverna de hiperinformação, suscitam as “Bolhas sociais”, o conceito ampliou-se significativamente nas últimas duas décadas, quando a forma de se comunicar ganhou espaço nos meios digitais. Os algoritmos atuam concretizando o seu pensamento com um semelhante, formando uma bolha invisível entre as pessoas com o mesmo pensamento. Cada um na sua própria caverna, isolados.
As consequências foram emblemáticas: uma onda de polarização ecoou no Brasil em 2013, quando o bolsonarismo ascendeu em espaços através de discursos de ódio, lives no instagram e fake news por toda a parte. Assim, uma pequena parcela da sociedade – barulhenta e relutante – conseguiu se estender para além das mídias digitais, culminando no atentado à democracia na praça dos três poderes da República no dia 8 de janeiro de 2023, após a vitória de Lula nas eleições de 2022. O ato foi majoritariamente organizado pelas redes sociais.
A sensação de pertencimento a um grupo que pensava da mesma maneira foi tão grande, a ponto de julgarem que as leis não se aplicariam a eles, devido à liberdade de expressão assegurada por essas mesmas leis. A internet abriu margem para interpretação, fortalecendo a realidade percebida, cuja normalidade é restrita aos grupos sem contrastes de ideais, os quais julgavam-se patriotas. Nas redes, o senso de “normalidade” fomentado pelos direitistas é reativo ao diferente, como se eles vivessem num mundo de certezas.
Após o ataque, medidas foram tomadas para conter os extremistas enfurecidos, plataformas foram multadas, e as leis estão sendo aplicadas nos financiadores e participantes da tentativa de golpe.
Em síntese, observa-se as bolhas sociais como uma visão moderna da “alegoria da caverna” de Platão, onde os indivíduos são limitados em sua própria compreensão da realidade, devido à exposição seletiva de informações e à influência dos algoritmos e grupos sociais. Compreende-se ainda que as mídias influenciam a segregação de grupos, fortalecendo os estereótipos como uma arma para a discriminação de um grupo sobre o outro.
Nesse contexto, é fundamental medidas públicas para fomentar nas escolas a educação através da tecnologia, estimular a pluralidade de visões existentes no Brasil no âmbito educacional, e suscitar nos espaços públicos a ampliação cultural. Tudo isso para deixar evidente que as leis são parte de uma república democrática, onde predomina as ideias da maioria. Vale lembrar que, no Brasil, as maiorias são preenchidas por pretos e pardos, totalizando 56,1% da população atual do país, segundo pesquisas do IBGE.
Faz-se necessário romper a bolha para analisar a situação crítica de pré-conceitos em cada uma das cavernas que habitam em nossos grupos sociais, mostrando que a internet pode ser uma arma majoritariamente positiva, cujo objetivo principal é a emancipação do sujeito, com a diversidade que o caracteriza, e não o fortalecimento dos estereótipos.
