Por Juliana Craveiro Fusco

Depois de uma hora de sessão com minha terapeuta, reflito sobre quem sou, quem fui, quem serei. Durante 20 anos fui obrigada a me moldar de acordo com o que queriam. Precisava ter os mesmos gostos, mesmos interesses. Precisava agir como me pediam.

“Por que você está chorando?”, “isso não é tão engraçado”, “essas músicas são muito chatas”, “você precisa ler mais livros de literatura. Não adianta ler essas bobagens”, “isso não é coisa para você, você não pode ver”, “mas isso é muito feio, como você consegue gostar?”. Dentre essas e outras frases que precisei ouvir durante minha infância e adolescência inteira, todas significavam para mim que eu precisava esconder meus gostos, minhas vontades, meus sentimentos.

Depois de um tempo, as coisas pareciam até normais. “Ninguém percebe como eu estou triste”, eu pensava. Mas é claro, eu não falava, não demonstrava. Culpa minha?

Fui obrigada a participar de aulas que eu nem sabia que queria, simplesmente precisava aceitar que deveria ir. Aulas de vôlei, futebol, basquete, handebol, capoeira, ballet, jazz, aulas de canto e de guitarra. “Que sorte a sua, muitos gostariam de ter tido sua oportunidade”. É verdade, não posso negar que sou privilegiada por ter tido tantas oportunidades. Mas e eu, queria participar de todas elas? Queria participar de alguma delas?

Naquele dia, foram 9 horas sentada naquela cadeira, esperando a mudança que sonhei, desde criança, se realizar. 9 horas de alegria? Não. 2 horas de medo: será que eu quero isso mesmo?. 3 horas de: eu não devia ter feito isso. 2 horas de: eu só quero ir embora, eu nem queria essas cores. 2 horas de angústia: estou atrasada para meu compromisso.

Meu sonho sendo realizado e mais uma vez eu não consegui – não pude – pensar em mim mesma. Eu precisava pensar na reação de minha mãe; na fome do meu namorado (que esperava comigo no salão); no dinheiro que seria gasto. E ele precisava ser bem gasto, ou então minha mãe… Mas e eu?

“É tudo tão automático, ninguém vai perceber”, eu penso. Mas na verdade, não consigo esconder meu rosto de tristeza quando meu cabelo fica pronto. Corte, descoloração, pintura e finalização nova, tudo em um dia só. Pra quem nunca se deu bem com mudanças, isso é um avanço e tanto. Mas minha expressão…

Mal tive tempo de me olhar no espelho, tive que pagar logo e pedir um uber para a casa de um amigo. Chegando lá, olho no espelho do elevador: essa finalização é horrível, eu estou horrível. O que eu fiz? Pego minha franja, do mesmo comprimento que meu cabelo, e prendo em um mini coque. Chegamos no andar. Ando até a porta e me preparo para ser simpática com pessoas que nunca vi, mesmo estando desesperada por dentro.

Que alívio, eles são muito legais, consegui me divertir e … olha! Cabelo novo! Não é que as cores ficaram bonitas? Não é que eu consegui pintar ele mesmo? Mesmo sem minha mãe aprovar, ainda assim consegui.

Volto pra casa, animada por conhecer os amigos do meu namorado, e feliz com meu cabelo novo. Feliz? Chego em casa tarde, meus pais já estão dormindo. Encontro meu irmão e ele gosta. Achou estranho, mas gosta! Tomo banho e meu namorado vem me dar um beijo de boa noite no colchão que pusemos na sala para eu dormir. Ele sai e vai dormir na minha cama no quarto.

Duas horas da manhã. A porta do armário da sala reflete minha cabeça, meu rosto e meu cabelo… Ele ficou horrível, eu nem consigo me reconhecer, quem é a pessoa que está do outro lado? Eu consegui ficar mais feia do que já era… 4 horas da manhã e uma crise de ansiedade. Sozinha, um colchão na sala, um celular, pego no sono.

Acordo com o barulho dos meus pais tomando café. “Ficou esquisito”, diz meu pai. Alívio. “Você estragou seu cabelo”… É verdade? Ele vai demorar anos para voltar ao que era antes! Eu vou pintar de castanho por cima!! Não… foi caro demais para jogar fora assim, agora eu preciso aguentar. Finjo gostar do meu cabelo e levanto para acordar meu namorado.

“Vou tomar um banho e já volto”. No chuveiro, esfrego meu cabelo na esperança de toda a tinta ir embora. Finalizo do meu jeito e não consigo conter um sorriso. Agora sim ele está mais bonito.

Meu avô também não aprova. 90 anos, né? Mas a moça da loja elogia. Diversos olhares me seguem pelos corredores do estabelecimento. Eu odeio que me olhem. Me percebo em todos os espelhos da loja, de todos os ângulos, gostei sim do meu cabelo!

Que feriado mais conturbado, agora volto para Bauru, não preciso lidar com pessoas conservadoras. Será que meus amigos vão gostar? Será que realmente está feio e eu fiz bobagem? A Fernanda também mudou o cabelo, ainda bem, não serei o único foco.

Entro na sala e a professora para a aula para elogiar minha coragem de mudar o cabelo, meus amigos aprovam e eu posso ficar aliviada com minha escolha. Mas e eu?

Na quinta, em minha sessão de terapia, finalmente posso contar a ela – e a mim mesma – que fiquei desesperada, me arrependi, mas depois até que gostei. “Você finalmente está conhecendo a si mesma. Se apresente pra você e permita se conhecer”.

Depois de 20 anos me moldando e escondendo quem sou, finalmente estou colocando meu verdadeiro eu para fora. Eu não sei quem é, eu não sei quem sou, mas eu preciso me conhecer, por mim mesma. Quem sabe agora não coloco aquele piercing que sempre quis?

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