Dois anos depois do lançamento de “Dai a Cesar o que é de Cesar”, o rapper retorna com o seu segundo álbum, “Ligações Estranhas”
Por Flávia Gracinda

Cesar MC continua sendo Cesar MC. Seu mais novo álbum, Ligações Estranhas, lançado em outubro, veio para mostrar o coliseu mental, segundo o próprio rapper através de um story em seu instagram. Já no álbum anterior, “Dai a Cesar o que é de Cesar”, de 2021, ele colocou em evidência o Coliseu Moderno, onde a vida na comunidade é um espetáculo para quem está de fora.
Cesar MC agora se volta para o coliseu mental, no qual o momento difícil do outro pode ser transformado em um espetáculo para os que estão de fora. São exatos 54 minutos e 17 segundos distribuídos em 13 faixas contando com a produção de THXLIS, Tibery, Cocran Mac e Felipe Artioli, com participação de Babu Santana e feat com Dudu MC e NOVENTA.
Neste álbum, o MC desabafa mostrando seu desapontamento com a maneira como a arte, principalmente o rap tem sido elaborado, se tornando só mais um produto da indústria cultural. Revela também como a crise que ele vive afeta a maneira como vê o mundo e também sua fé, e deixa reflexões baseado no que tem vivido.
Das 13 faixas, três se destacam: em Mortal Kombat, primeiro videoclipe lançado da obra, Cesar fala sobre as regras que precisava aprender se quisesse se manter no ”rap game”.
A primeira faixa do álbum é Art.ficial, em que o rapper fala sobre sua experiência nesse jogo e que a tentativa de se encaixar no molde, no personagem, tirava o melhor que ele tinha, fazendo-o se questionar se realmente sabia fazer aquilo que sempre sonhou. Se antes ele criticava, agora ele não só conseguia ver de longe, mas fazia parte do teatro da indústria musical, e ao estar inserido nesse contexto chega à conclusão de que para ele não era algo viável. “O que é arte, o que é vida. Arte é o que tem vida”, canta o rapper.

Se tudo é tendência, o que é real?
Cesar MC traz a ideia da reprodutibilidade técnica, que nada mais é que uma fórmula testada antes que chegou a um bom resultado e, a partir disso, começou a ser utilizada mais e mais vezes para se alcançar um resultado semelhante ao primeiro.
Isso parece algo mais voltado para a ciências exatas, né? Mas é algo que também ocorre na indústria cultural: são técnicas dentro da arte que influenciam tanto sua produção quanto a apreciação artística.
O que são as trends, se não um resultado dessa reprodutibilidade em massa? Não só Cesar, mas diversos artistas já falaram sobre a cobrança para criar algo que poderia ser viral no Tik Tok, por exemplo.
Por um lado, essa reprodutibilidade é boa pois traz uma democratização da arte, tornando ela mais acessível a diversos públicos. Por outro lado, ela desafia a ideia de que cada artista pode criar uma obra única, porque quando tudo é criado de forma idêntica ou muito semelhante, acaba-se perdendo a autenticidade, o valor e a singularidade.
A arte quando vinda apenas de tendências pode nos levar para longe da essência, fazendo com que não ocorra uma reflexão a respeito do que está sendo produzido, vemos apenas mais do mesmo, a diferença é que é só um pouco atualizado. Fazer com que todos sigam um padrão de produção da arte é retirar o melhor que eles carregam.
A vida e as experiências que ela proporciona não são as mesmas para todos, e poder expor isso da própria maneira é o que deixa a arte cada vez mais única e viva. Sem a autenticidade na arte nada faz sentido, matar o que acredita para viver de arte é marketing. Entretanto Cesar não desiste: “mas ainda assim eu canto até que minha alma caiba no algoritmo”.

A busca por resposta em meio a crise
Assim como no álbum anterior, Cesar não deixou de falar da sua fé. Em meio à crise, surge Ligação Perdida feat. Deus, no qual o rapper abre o coração e fala sobre a raiz da sua conjuntura e sua busca por respostas.
Diante do que vê no mundo e a maneira como se sente, ele cogita se apoiar nas teorias de Nietzsche em que a fé seria uma fuga, flertando com o ceticismo e a incredulidade. Mas relutando em apenas aceitar a ideia do filósofo, ele faz um pedido: “Mas se ainda tiver na linha / Tipo Tomé, hoje o que eu peço é tocar Você”.
Cansado, mas atento, o rapper começa a observar que o mundo é detalhado demais para ter surgido de uma explosão, de um acidente cósmico, com isso ele chega à primeira conclusão: “É preciso fé pra crer em Deus / E também muita fé pra crer no nada”.
Utilizando a ideia que circulou nas redes em nome de Nietzsche, César fala sobre ter escutado uma música que poucos ouviram e que isso lhe fazia parecer louco, porque não só ouviu, mas também dançou. Ele faz um paralelo entre a ciência e a religião, falando sobre a comprovação de que o processo de um buraco negro nascer quando uma estrela morre faz com que todas as pesquisas e perspectivas sejam redefinidas pelos pontos furados no universo. Então, ele diz que Cristo é essa estrela e que quando morreu e ressuscitou redefiniu todas as coisas, criando uma nova perspectiva do tempo e da eternidade, e que ele chama esse fenômeno de evangelho, boas novas.
A segunda conclusão é que “exigimos respostas tão exatas nessa vida tão complexa”. A resposta que tanto procura pode ser aquela que bate na porta e abre uma fresta, mas ele só consegue questionar o porquê de a porta não fechar. Com isso, ele refuta a ideia de Nietzsche e canta: “Eu não posso explicar Deus melhor que Cristo / E eu não tenho uma resposta mais acadêmica do que a cruz / Não tem um jeito mais intelectual ou melhor de dizer”. E algo que já era notado, mas que fica claro no final da música, é que a ligação perdida foi retornada: “E eu não posso explicar um vem / Eu só posso ir / E eu não posso explicar um convite /Mas posso fazê-lo / Vem e vede, que o Senhor é bom!”.
Ligações Estranhas é sobre a vida em um todo e fala sobre a carreira, a fé e o amor. Cesar mostra o que importa para ele e, de certa forma, indica o que precisa ser importante para quem está na indústria musical. Muito se fala sobre não se fazer mais músicas como antes, mas pouco se fala do porquê vemos muitas vezes apenas uma versão atualizada de determinada música e não uma nova música. Com esse álbum, Cesar MC prova que canta aquilo que vive.
