Por: Marina Barrelli de Carvalho

Imagem: Marina Barrelli de Carvalho
Fleabag: “Eu não sei o que fazer.”
Boo: “Com o que?”
Fleabag: “Com todo o amor que eu tenho por ela. Não sei onde colocar agora.”
Fleabag ri
Boo: “Estou falando sério. Parece adorável.”
(Série Fleabag, temporada 2, episódio 4. Cena do funeral da mãe de Fleabag).
“Por que temos tanta dificuldade em lidar com a perda de alguém?”. Acredito que essa foi a frase que mais repeti esse ano. O que é tão difícil, para nós seres humanos, entendermos sobre a morte, uma etapa natural – e inevitável – da vida? Honestamente, não acho que exista resposta para esse questionamento, pois a morte e o luto não são simples acontecimentos que podem ser compreendidos a partir de uma só perspectiva.
Quando encarei minha primeira perda mais próxima, da minha avó materna em 2014, passei a ouvir a pergunta que inicia esse texto; eu mesma a fazia. Mas, eis aqui um dos motivos do impacto desse tipo de acontecimento. Minha avó tinha 74 anos, tinha os seus exames em dia e era ativa. Andava à pé para realizar a maioria de suas tarefas e sempre estava cuidando da horta, em seu sítio. O ano tinha acabado de virar, era o início de janeiro e estávamos na praia, no litoral sul de São Paulo.
De repente, numa manhã, ela começa a passar mal e dentro de mais ou menos uma hora, acaba falecendo em decorrência de um infarto. Eu tinha apenas 11 anos de idade e a rapidez de tudo aquilo foi arrebatadora. Esse é justamente um dos diversos aspectos mais dolorosos da morte: como é possível dentro de uma hora, às vezes até menos, tudo simplesmente mudar para sempre? Como nós, familiares, amigos ou simples conhecidos, devemos aceitar mudanças tão bruscas como essa? “A vida muda rapidamente. A vida muda em um instante. Você se senta para jantar, e a vida que você conhecia termina”, escreve Joan Didion, no livro “O Ano do Pensamento Mágico”.
Além do mais, não só a morte repentina dói profundamente, como também a morte que leva aos poucos alguém que amamos. Presenciar, dia após dia, uma pessoa tornando-se mais fraca, perdendo sua consciência e deixando de ser aquele ser que um dia conhecemos é também extremamente difícil de se lidar.
Ao pensar sobre isso, é até possível notar um paradoxo do luto: muitas pessoas que perdem entes queridos de forma brusca, quando encaram a morte “lenta”, agradecem pelo fato da pessoa amada ter sido levada rapidamente. Até dizem que, no fim das contas, dói mais ver alguém morrendo aos poucos do que aceitar uma morte repentina. Não acho que exista uma morte mais dolorosa que a outra, mas de uma coisa eu sei: o luto é algo extremamente particular, e de fato, não há certo nem errado.
O ano de 2023 foi, para mim, marcado pelo luto. Não necessariamente porque eu perdi pessoas próximas, mas sim porque observei de perto a experiência da perda sentida por outras pessoas. Foi passando por esses acontecimentos que notei como o luto é um sentimento que possibilita a compreensão e a proximidade entre pessoas. Isso porque todos nós, com certeza mais de uma vez na vida, passamos e passaremos pela experiência de perder alguém.
Esse sentimento compartilhado, ainda que com tantas nuances, une pessoas. Seja a partir do desabafo, do choro, da incompreensão da perda, do abraço ou da risada ao lembrar de boas memórias de quem nos deixou.
A pergunta que inicia esse texto não tem uma única resposta e sinto profundamente que nós nunca aprendemos a lidar com a dor do luto. Seja quando lidamos com uma morte brusca, seja quando acompanhamos alguém morrendo aos poucos. Por mais que nos preparemos, por mais que a noção de que a morte é uma parte da vida, encarar a perda quando ela acontece de fato é sempre um novo processo.
Mas, compreender isso é, talvez, o primeiro passo para a cura. Entender que viver com o luto é sim difícil e doloroso, e que não há nada de errado nisso. Esse é, talvez, o passo para que cada um encontre a sua própria cura, já que esse é outro aspecto de extrema particularidade no contexto do luto. Para alguns, falar sobre a perda, é sentir mais dor; para outros, reviver o acontecimento é o caminho para superação. Para algumas pessoas, a tradição do velório e do enterro é algo obrigatório, enquanto outras pessoas preferem se despedir de um ente querido de outra maneira.
A verdade é que o luto é uma experiência cheia de contradições, ainda que aproxime pessoas. E no fim das contas, talvez um dos únicos remédios para a dor da perda seja o tempo. Ele ameniza toda e qualquer dor.
