Ao contar a singela história de um burro separado da sua treinadora, Jerzy Skolimowski faz uma crítica contundente sobre maus-tratos a animais.

Por Flavia Tofoli

Separação, abandono, maus tratos, afetos e desafetos em 1.750 km. É assim que acompanhamos as reviravoltas na vida de um burro de circo desde a sua separação da treinadora até o seu destino final.

“EO” é um longa-metragem polaco-italiano, de 2022, dirigido por Jerzy Skolimowski. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2023 e vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cinema de  Cannes de 2022.

O filme é inspirado no longa de Robert Bresson de 1966, “Au Hasard Balthazar”, que, por sua vez, é baseado no romance “O Idiota” de Dostoiévski. Assim como no filme de Bresson, em “EO”, também temos uma narrativa construída em torno da experiência do burro, acompanhando sua jornada desde a Polônia até a Itália, após ser separado de sua treinadora. O caminho é árduo e expõe o animal a situações de perigo que contribuem com o envolvimento do espectador com a história.

O simbolismo da figura do burrinho é explorada para evidenciar sua resiliência em meio à  impetuosidade do cotidiano. Sua resistência às adversidades cria no espectador a esperança de que ele terá seu tão aguardado final feliz. Porém, ao mesmo tempo, tudo nos encaminha para acreditar que isso não se realize.

Skolimowski faz uso do minimalismo para privilegiar a fotografia, que fica por conta de Michal Dymek. Nesse aspecto, “EO” entrega cenários deslumbrantes que, por vezes, contrastam com a modéstia do personagem principal, mas também reforçam sua solidão. O efeito Kuleshov – no qual uma sequência de imagens do rosto sem expressões do personagem é intercalada com outras imagens significativas – é utilizado para explorar as emoções do animal. Com isso, o filme obtém êxito ao explorar nuances das relações humanas através da perspectiva do protagonista, um singelo burrinho que dá nome à obra.

Outro ponto de destaque no filme é a trilha, assinada por Pawel Mykietyn, que venceu o European Film Awards, em 2022, na categoria Melhor Trilha Sonora. A trilha e a mixagem de som contribuem com a potência dos momentos decisivos do filme, explorando a tensão e o drama de forma perspicaz. Isso permite que o minimalismo da fotografia seja abraçado por emoções que rompem com o distanciamento que esse estilo fotográfico pode proporcionar. 

Apesar de EO obter êxito em sua proposta e fazer jus a sua inspiração no filme original de Robert Bresson, nem tudo são mil maravilhas. O longa de Skolimowski peca ao não desenvolver alguns enredos interessantes ao longo dos encontros do burrinho. Falta de tempo não pode ser considerada uma desculpa para isso, pois, simultaneamente, temos o prolongamento de cenas que não contribuem para enriquecer a narrativa.

EO, contudo, é um excelente filme, visualmente bonito e sonoramente potente. Vale a pena dispensar 1h24min acompanhando, pelo ponto de vista de um burro, as relações humanas, sentir por ele suas emoções e temer pelo que está por vir. O filme está disponível na plataforma de streaming Mubi.

Deixe um comentário