Por Flávia Carvalho de Souza
Quando olhei no espelho na tarde daquele domingo, não reconheci a pessoa que encarava de volta. Ironicamente, era um espelho dupla face, e quando segurei-o nas mãos para aproximá-lo de mim, um dos lados se desprendeu e caiu. Vi em cada caco o reflexo das antigas versões de mim mesma e não tive receio de nenhuma superstição, mas abracei a mudança e senti-me pronta para a nova fase da minha vida.
Eu sabia que, para viver na completude de meus 20 anos, teria de deixar para trás comportamentos, crenças e mentalidades da menina que já fui. Deixá-la ir não significava esquecê-la, mas honrá-la na mulher que me tornei. Por isso, não lamentei a perda quando uma das faces do espelho estilhaçou-se, mas recolhi os cacos com gentileza e orgulhosamente virei-me para a outra face.
Vi um novo reflexo, e a esse me identifiquei. Não era tão diferente do primeiro, porque, em essência, ainda era a mesma pessoa, mas o olhar inseguro da criança antes perdida fora substituído pelo olhar confiante da mulher que se encontrava. Reparei um ponto em comum entre esses olhares: o brilho da curiosidade e a faísca pulsante da vida.
Em todas as minhas experiências que moldaram as versões que já fui e me transformam na mulher que sou hoje, senti e incorporei a coragem de agir com a verdade em meu coração. Estendi a mão para mim mesma e recolhi-me quando necessário, abracei-me quando não havia ninguém por perto capaz de oferecer esse conforto, aceitei a minha humanidade e me vi maravilhada com a existência.
Inevitavelmente, um lado do espelho realmente se desfez. Os cacos quebrados não me cortaram, mas me ensinaram a erguer a cabeça e olhar para o novo diante de mim.
