O início e o fim de uma carreira espetacular no vôlei.

Por Laura Calze Sipoli

2 metros de altura é o suficiente para alcançar as prateleiras cheias de prêmios. Ou, no caso dele, mais que suficiente para colocar os troféus e medalhas nas caixas de recordação e seguir em frente. 

A altura que impõe respeito esconde a simpatia do homem tagarela que não demonstra ser um dos ícones brasileiros das quadras. Foi assim que tive meu primeiro contato com Sidnei dos Santos Junior, apresentado para mim como “Sidão do vôlei” por quem já conhecia sua história, que me cumprimentava sempre sorridente quando frequentávamos a mesma academia de Bauru. 

Três anos atrás, Sidão pendurava a camisa 5 e se despedia das redes. O atleta olímpico do vôlei decidiu se aposentar depois de mais de 20 anos de carreira e se dedicar a família. Quem o observa hoje em dia não percebe que seu passado é repleto de títulos e ele, que se diz discreto, até prefere assim. Agora, mesmo aposentado, Sidão tem uma agenda corrida, mas aceita conversar comigo por vídeo chamada enquanto cuidava da filha em casa.

CARREIRA EM QUADRA

Logo no início da entrevista Sidão vai direto ao ponto e começa a me contar sua história. Para ele tudo começou muito cedo, logo aos 12 anos de idade. Se descrevendo como grandão, magrelo e todo desengonçado, Sidnei entrava nas quadras de basquete com seus 1,90 de altura. Sem muito jeito com a bola laranja, o atleta trocou o aro pelas redes e se destacou no vôlei em 1996, jogando pela Liga do Vale do Paraíba. 

O sonho de ser jogador começa a ser oficialmente colocado em prática quando ele passou na peneira do tradicional time do Banespa em uma das 7 vagas disponíveis disputadas por mais de 3800 atletas. De mudança para São Paulo, Sidão iniciou sua vida morando sozinho aos 13 anos, quando começou a ter seu potencial reconhecido. Sempre jogando uma categoria acima, Sidão gerava expectativa no time, até que, depois de 5 anos, foi expulso por insuficiência técnica. Mas com muita calma ele explica:  “Atletas tem altos e baixos, se fala pouco sobre isso. Eu comecei a jogar mal e treinar mal sem motivo. Isso acontece.”

Sem se abalar, Sidão continuou jogando em times menores. Ficou em Santo André por dois anos e, logo depois, foi para o time do Ulbra, no Rio Grande Do Sul. Depois de uma melhora em sua performance, o jogador foi parar em Florianópolis, jogando para o Cimed, quando viveu o estopim para o começo de sua carreira após ganhar o Campeonato Brasileiro como maior pontuador e ficar entre os 3 maiores pontuadores da Superliga como central (posição que não costuma atacar).

Foto: Diário Gaúcho

Foi por mérito de seu destaque no campeonato que sua a entrada na seleção foi glorificada e teve a chance de participar da liga mundial de 2006. O time constituído de grandes nomes como o de Ricardinho, Rodrigão, Dante e Giba, passou anos sendo um dos times mais campeões da época. “Era um grupo seleto”, categorizou Sidão.

Foi ali que Sidão vivenciou o que chama de “uma das maiores vitórias de sua carreira”. A Liga Mundial de 2009, na Sérvia,  contou com uma final emocionante contra a anfitriã que, depois de mais de duas horas de partida, entregou o título ao Brasil. O jogo, conhecido como “A Batalha de Belgrado”, levantou os torcedores Sérvios para bradar o hino histórico de quando seus soldados iam para a guerra. A torcida não era para o Brasil, mas os vencedores da quadra foram os brasileiros, por 3 sets a 2.

Sidão a direita com a bandeira do Brasil e o time que integrou a geração campeã do vôlei depois da Batalha de Belgrado (Leandro Vissotto)

Em contrapartida, foi também na seleção que Sidão vivenciou uma de suas maiores decepções com o esporte. Olhando as fotos, não entendemos porque Sidão posa triste segurando a grande medalha de prata, mas, quando ouvimos o que aconteceu na final da Olimpíadas de Londres em 2016,  começamos a entender porque a vitória veio com gosto amargo.

 Já sentindo o peso da medalha de ouro olímpica nas mãos, o Brasil, que tinha uma vantagem de 2 sets a 0 contra Rússia, tomou uma virada no terceiro set. “Foi o jogo que eu chorei sem conseguir segurar”, confessou. Após a competição, foi constatado que a maioria dos titulares do time russo cometeram Doping,. “Hoje eu dou risada, mas sofri, da raiva. E eu não tive outra oportunidade porque no Rio de Janeiro (próximo das olimpíadas de 2016) eu tive uma lesão e não consegui jogar”.

Sidão, cabisbaixo, e a seleção brasileira medalhista de prata (Globo Esporte)

Completando sua história no vôlei, Sidão comenta de uma de suas maiores conquistas: 10 anos depois do início de sua carreira, a contratação para jogar na Itália chegou. No ápice de sua carreira, ele jogou no Modena Volley por quatro anos, experienciando o que ele chama de  “melhor nível do voleibol mundial”. Ao fim de sua jornada na Itália, Sidão volta para o Brasil para ganhar mais uma superliga pelo Sesi, time que jogou durante 8 anos consecutivos. 

Sidão é oficialmente apresentado como jogador do Modena Volley (Lega Pallavolo)

Passando pelo Corinthians, Sidão conta como foi a experiência jogando pelo time do coração, nos únicos dois anos em que o time existiu. “Não foi a melhor das experiências. Time de futebol é salário atrasado, imagina no esporte secundário como vôlei”, comentou o ex-jogador.

O CASAL DO VÔLEI

Consolidado na seleção brasileira, Sidão voltava para o Brasil depois de sua temporada no exterior, quando começou a se relacionar com sua atual esposa. Nas terras de Saquarema (Rio de Janeiro), em uma das folgas de treinamento que preparava o Brasil para a Olimpíada de Londres, Sidão conheceu Dani Lins, atleta da seleção feminina. Todo sorridente, ele me conta como tudo aconteceu: “Eu fui pra piscina e ela estava lá, eu nem conhecia ela direito e conversamos o dia todo. Foi ali que começou o romance”. 

Sidão e Dani Lins, o casal do vôlei (Ego)

Juntos a 13 anos, Sidão se orgulha ao falar da atual jogadora e capitã do Sesi Bauru: “A Dani tem uma moral muito grande, uma atleta exemplar.”. E mesmo assim, Sidão não alivia e pega no pé da companheira: “Eu falo se jogou mal mesmo. Ela fica brava e depois me dá razão. E sou chato, né? Deu pra perceber. Sou muito perfeccionista”

O INÍCIO DO FIM

“Filha, papai tá aqui! Não precisa chorar.”

Sidão pede desculpas pela interrupção e mostra Lara na câmera, a filha pequena do casal. No momento, Lara apareceu chorando no quarto porque não achava o pai e, ele sem jeito, me explica: “sou o pãe aqui, não tem jeito”. Usamos o termo “pãe” para pais que desempenham o papel duplo na criação dos filhos. Além de Lara, Sidão tem um filho mais velho de seu primeiro relacionamento, Rafael 

Sidão, Rafael e Lara (via Instagram)

Em 2018, Dani Lins jogava para o Sesi Bauru, cidade em que veio morar com a filha de, até então, 3 anos. Na época, o ex-jogador vivia a correria que só a dedicação a família permite acontecer:  jogando em São Paulo, ele usava a folga do meio da semana para visitar a filha  no interior paulista.

Além do desejo de estar perto da família, a carreira de Sidnei como atleta já chegava ao fim. Voltando ao Sesi, Sidão competiu por mais um ano, até que, junto da pandemia, o corpo pediu descanso. “A vida do atleta é complicada: você faz uma coisa a vida inteira e, de repente, isso acaba.”

Com 38 anos e acumulando mais de 5 cirurgias proporcionadas pelo esporte, chegou a hora de se aposentar. O jogador já não conseguia mais ser titular e ficava a maior parte dos jogos no banco. Enquanto conta as cirurgias que não cabem nos dedos, Sidão quase se perde. “Eram inúmeras lesões e dores, eu já não acompanhava mais a juventude. Meu cérebro queria, mas meu corpo não acompanhava.”

Sidão pela seleção brasileira (ESPN Brasil)

Para ele, a saída das quadras foi no momento exato. Sidão não se descreve como um homem de despedidas dramáticas. Ao contrário, ele aguardou pelo momento mais parado e longe dos holofotes para dar adeus às quadras. “Teve a pandemia, então acabou o campeonato. Sidão acabou de jogar e pronto. Pra mim foi perfeito. Eu sai de cena sem precisar dar tchau”

Apesar de deixar a carreira para trás, o vôlei continua presente. Quando pergunto o que o vôlei significa para ele, a explicação é curta, mas o impacto do esporte vai longe: “O vôlei pra mim é tudo, é a minha vida. Sou muito grato ao voleibol, tenho minha família por conta do voleibol.” 

Apesar da carreira cheia de títulos, Sidão confessa que seu maior orgulho não está na carreira: “Minha maior vitória é conseguir ter meus dois filhos saudáveis e conseguir dar pra eles o que eles precisam. Essa é minha maior vitória, eu trabalhei para isso. É impagável.”

Foto: Globo Esporte

Quanto ao futuro, Sidão está aguardando o momento certo, mas já pensa em projetos sociais. Seu plano é ajudar crianças com o esporte, criar um centro de treinamento junto da esposa. “Deu certo pra mim, deu certo pra tantos. Queria deixar um legado”.  Mas, por enquanto, Sidão aproveita a vida do anonimato e curte a infância da filha.

Hoje o ex-atleta deixa os holofotes para sua esposa. “A reconhecida da casa é ela. E eu gosto, ta? Eu gosto de ficar mais na minha, eu nunca gostei muito desse ‘auê’”. Dani Lins, a mais experiente do time do Sesi Bauru, ainda vive nas quadras, disputando, atualmente, pelo Sesi Bauru, que tem jogos marcados até 2024 na Superliga Feminina de Vôlei.  

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