Por Laura Hirata-Vale

Em 1818, Mary Shelley terminava de escrever e publicava o livro Frankenstein: ou o Prometeu Moderno. O romance de terror gótico conta a história de Victor Frankenstein que, em seu laboratório, constrói a Criatura – um monstro, feito de partes do corpo de diferentes seres humanos. No Jornalismo, passamos por um processo parecido com o experimento de Victor: cada notícia, reportagem, crítica e ensaio possui um quebra-cabeças a ser montado. Desde a pesquisa de pauta até a escrita e a edição, vamos construindo o texto, lapidando-o, até tornar-se bom o suficiente para a sua publicação.

Por meio de degustações de conhecimento, começamos o processo de montar uma pauta. Partindo de uma ideia inicial, iniciamos a apuração, anotando as informações que parecem ser importantes e relevantes para o texto. Dessa forma, começamos as pesquisas, conectando fatos, teorias, e pensamentos. Dependendo da editoria e do tema escolhido, podemos correr contra o tempo, encarar os olhos do perigo; porém, podemos também ter calma e tranquilidade durante a apuração. Ao montar o texto, juntamos todos os ‘pedaços de informação’, entretanto, dependendo do estilo de escrita, alguns desses ‘pedaços de informação’ podem ficar de fora. Em textos não factuais, como críticas e resenhas, muitas anotações e reflexões podem não entrar nos parágrafos, por falta de espaço, por falta de conexão ou por não terem local para serem encaixadas. Já textos factuais, como as notícias e reportagens, toda e qualquer informação é importante; não colocá-las pode resultar na omissão de fatos.

Para a arte da escrita, o conhecimento é enriquecido a cada mordida e garfada no prato das informações. Assistir filmes, ler livros, ouvir músicas, apreciar artes, conhecer lugares e comidas significa não só aumentar a sabedoria – se é que a sabedoria seja isso –, mas também quer dizer alimentar a alma, o espírito. É encontrar sua Joie de Vivre – o seu porquê de viver. Escrever é como se debulhar em lágrimas, derramar seu sangue no papel. Cada gota de tinta, cada caracter, cada letra, cada palavra é como um relato, uma confissão.

O processo de escrita é particular de cada um. Específico, doloroso, aliviante. No Jornalismo, quando pensamos em críticas e no gênero jornalístico-literário, podemos ver que a linha tênue entre os fatos e a ficção. Em um abismo poético, quem escreve o texto possui liberdade para fazer sua própria Criatura de Frankenstein. Juntando informações, sentimentos e conhecimentos, o texto pode ser usado como uma análise do âmago e da essência da pessoa. O que ela pensava no momento? O que acontecia em sua mente? Quais eram seus conflitos internos e pessoais? São diversas as questões que a escrita resolve e tenta resolver.

No vaivém da escrita, o medo de se perder é constante. Numa língua com tantas palavras e combinações de letras, achar o termo certo, para aquele determinado momento pode ser difícil. O temor da linguagem pode perseguir o autor, e até paralisá-lo, fazendo com que os textos não fluam como deveriam fluir. A escrita então se torna tensa e pesada, como um fantasma assombroso, que assusta qualquer um.

O choque e a paralisação podem intimidar. Como escrever, quando se está em uma situação assim? A resposta é simples: escrevendo. Mesmo que não surja o melhor trabalho, ou o melhor resultado, continuar na prática da escrita é essencial. Por causa dela, os bloqueios se esvaem, o medo diminui, o que assustava não irá assustar mais.

Pode-se dizer até que escrever é uma estrada de mão dupla. A prática da escrita pode levar à frustração, mas ao mesmo tempo, também leva à satisfação. As mudanças que ocorrem durante o processo de criação de nossas próprias Criaturas de Frankenstein são cruciais para a formação do autor, do escritor e do jornalista. Sem elas, a melhora da escrita não seria possível, e por isso, pode-se pensar que realmente a prática leva à perfeição.

Porém, é possível perceber que – na verdade – a escrita e o jornalismo são imperfeitos, por serem feitos de pedaços, retalhos e aparas, e por isso, são repletos de um sopro de vida e são a razão de viver. Assim como Victor Frankenstein, que deu vida a sua Criatura, o jornalista e o escritor dão vida ao texto, à escrita, e assim, mostram como o escrever vive e sobrevive em nossos tempos.

Deixe um comentário