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Por Marianna Montenegro

Estava em uma loja de departamento procurando um jogo de cama novo para mim, fazendo as cotidianas tarefas que acabam por nos envolver inconscientemente, numa rotina sonâmbula, quando uma cena me despertou. Uma mulher acariciava uma batedeira. Uma batedeira planetária rosa. Era um rosa claro chiclete. E ela sorria para aquele aparelho, como uma criança que deseja um brinquedo da vitrine e uma mulher que mesmo crescida ainda sonha. E como sonhava.

Perdi-me naquela cena. Tanto enxerguei naquela mulher. Que história guardava aquele sorriso? Que sonho ela acariciava com as mãos? Usei então de meu poder de imaginação e desenhei uma história completa, para quem, sem nem saber, tanto conseguiu me tocar.

Seu nome era Lúcia ou Luciana, não sei porque, mas acho que a chamaria de Lu. Ela era uma boleira de mão cheia, daquelas que todo mundo vibra quando tem seu bolo na festa e espera ainda mais ansiosamente o parabéns. A Lu sempre é assunto daquelas conversas levinhas que escapam e se repetem. Ela é uma dessas mulheres com a simpatia de protagonista de novela, um coração bondoso e uma vida dura. Mas faz tudo com muito gosto. Afirmando sempre que seu ingrediente secreto é o amor que põe na comida enquanto cozinha. Lu trabalha e ainda cuida da casa e ao final do dia está extremamente cansada, porém não perdeu a gratidão pela vida e toda manhã agradece ao seu Deus por ter saúde e força para batalhar.

 Naquele dia em que nossas vidas se cruzaram, por um breve instante, Lu ia ao centro comprar algumas coisas para a casa. Assim como eu, era tragada pela rotina sem nem perceber. Porém, em meio a correnteza do cotidiano, cintila um pedaço de sonho na vida real. 

Aquela batedeira era para ela um sonho. A cor era de sua infância e trouxe de volta a menina que ainda brinca (e sonha) em seu interior. Seu talento herdado de sua mãe (nostalgia), mantém viva a lembrança saudosa. O sorriso era o que transbordou e escapou de um desejo profundo, que se almeja de corpo e alma. Acariciava a máquina como quem acaricia o sonho. Sorria boba, assim como uma adolescente apaixonada. Por alguns instantes ela se permitiu ser boba. Por alguns instantes ela se permitiu tirar os pés do chão e se afastar da realidade.

Naquele dia voltei para casa pensando na loucura que é a vida. São tantas as pessoas que passam por nós. São tantas histórias que carregam. Caminhos cruzados o tempo inteiro e todo o tempo rostos sendo esquecidos, tantos nomes sem serem ditos, tantas personalidade desconhecidas. E, ao mesmo tempo, essas pessoas vivem suas vidas, têm seus amigos e sua família, têm suas dores e seus sonhos. Vagamos apenas perdidos aos olhos alheios, em um caminho repleto de encontros desencontrados. Vinicius dizia uma grande verdade: “ A vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros na vida”.

Não vi o momento em que ela caiu em si. Não vi se sentiu vergonha pelo sorriso bobo. Não vi o momento em que a realidade se revelou acabando com tudo. Prefiro dessa maneira, perpetuarei aquela lembrança com o momento do sorriso e da carícia delicada. Guardarei minha (sua) história. E gosto de acreditar que, no fim, ela realizará todos seus sonhos. Não ligo se querer um final feliz é um clichê. Sempre gostei de finais felizes e sempre fui clichê.

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