Especialistas alertam para o crescimento de casos; em Bauru, prefeitura não faz controle epidemiológico

Por Gabriela Mackert Occhipinti

Gato em situação de abandono em Bauru (Foto: Maria Cecília Gradin Itokagi)

Não é raro encontrar gatos soltos pelas cidades brasileiras e em Bauru não é diferente. Eles estão nas ruas e às vezes até nos comércios, principalmente os alimentícios. Mas, onde tem gato pode ter esporotricose. Essa espécie de micose, que provoca lesões na pele, é causada, principalmente, pelo fungo Sporothrix brasiliensis, que avança em alguns Estados do Brasil.

Esse aumento das ocorrências dos casos no país foi evidenciado em uma nota técnica do Ministério da Saúde, de 2023, que se refere à enfermidade como “um grave problema de saúde pública”. Vale mencionar que, pelo fato de a esporotricose não ser categorizada como uma doença de notificação compulsória, não se sabe com precisão a real situação da transmissão no Brasil.

A enfermidade é mais frequente nas regiões sul e sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, são os Estados com maior incidência, de acordo com o Estudo Epidemiológico e de Georreferenciamento da Esporotricose Humana na Região de Bauru, Estado de São Paulo, de Daniel do Carmo de Camargo, publicado em 2018.

Ainda conforme esse levantamento, que sobre o tema é um dos mais recentes, na América Latina a esporotricose é a micose subcutânea mais frequente. O estudo identificou também que o maior surto zoonótico da moléstia ocorreu no estado do Rio de Janeiro. De acordo com o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, Fiocruz, entre 1998 e 2009 foram registrados mais de 2.000 casos em seres humanos e 3.000 casos em gatos.

Por conta disso, ela se tornou endêmica no Estado do Rio e, desde 2013, a situação continua alarmante. Consequentemente, desde 2013, a notificação dos casos em humanos é obrigatória no Rio de Janeiro.

Segundo o estudo assinado por Camargo, os dados são preocupantes e mostram que a esporotricose transmitida por animais, embora registrada em vários países, atingiu níveis críticos no Brasil. Ou seja, a doença, como zoonose, segue descontrolada.

Nos últimos dez anos, entre 2011 e 2021, por exemplo, o número de felinos diagnosticados subiu 1.342%: de 71 para 1.024 casos, de acordo com levantamento feito pelo Laboratório de Zoonoses e Doenças Transmitidas por Vetores (Labzoo), da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de São Paulo. No período de junho de 2020 (início das análises em humanos pelo Labzoo, antes realizadas pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas) a dezembro de 2021, foram 156 amostras para diagnóstico da doença em humanos, com 96 positivos, o que representa 62%.

Somente na capital paulista, maior município brasileiro no quesito população, os animais infectados cresceram 40,3% em um ano. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo divulgados pelo jornal Folha de São Paulo, em reportagem publicada em 16 de outubro deste ano, de 1º de janeiro a 20 de setembro de 2023, a cidade de São Paulo registrou 2.459 cães e gatos com esporotricose. Destes, 271 morreram. No mesmo período do ano passado, foram 1.753 animais, com 427 mortes.

Os humanos não escapam da contaminação. Foram 405 casos até o final de setembro deste ano e 388 no mesmo período de 2022, mas sem registros de mortes. Para talo tratamento da doença, o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece o antifúngico Itraconazol gratuitamente para pessoas e animais.

Procurada pela reportagem para comentar sobre a situação da esporotricose na cidade de Bauru, a assessoria de comunicação da Prefeitura afirmou em nota, no último dia 19 de outubro: “A Secretaria de Saúde informa que a doença existe em Bauru, mas não é possível fazer esse levantamento, uma vez que é grande o número de gatos de rua e de colônias, não sendo possível realizar o mapeamento. Há um gato sendo tratado pela doença no Centro de Controle de Zoonoses”.

A assessoria também afirmou não ter uma estimativa sobre a população felina na cidade, já que um levantamento desta natureza envolveria animais sob a guarda de tutores, animais de colônia e os de rua. Segundo o órgão, o Centro de Controle de Zoonoses não tem como realizar esse tipo de rastreamento.

Contaminação

Por ser um fungo, tal como a candidíase, por exemplo, a esporotricose tem algumas especificidades. Natália Rodrigues Paschoal, médica veterinária com mestrado em Medicina Veterinária Preventiva e Produção Animal, explica que a forma de transmissão é por inoculação em uma camada mais profunda da pele, tanto dos seres humanos quanto dos animais, onde começa a proliferar.

A enfermidade era muito conhecida por pessoas que trabalham com jardinagem, o que a deixou conhecida também como “doença da roseira”, devido aos espinhos das rosas que causam uma lesão mais profunda na derme. A médica veterinária ainda ressalta que o fungo causador do adoecimento está presente no ambiente, por ser responsável pela decomposição de matéria orgânica, o que dificulta o controle do mesmo.

Nos gatos, especificamente, a forma mais comum de contágio é quando um animal é arranhado por outro que está infectado, já que é comum brigas por territórios e/ou fêmeas, entre os felinos. Principalmente os que estão em situação de rua têm a incidência da enfermidade potencializada por usarem as árvores para afiar as unhas, que é onde, muitas vezes, o fungo fica alojado.

Quando infectados, os gatos podem apresentar lesões na pele, no focinho, ao redor da boca e na cabeça, como explica Natália. Inicialmente, a doença se manifesta na pele dos animais, já que é comum o gato se lamber e coçar.

Em casos mais graves, o fungo pode afetar, por exemplo, o pulmão, como explica Natália. “Pode causar uma pneumonia fúngica sistêmica que causa uma pneumonia muito feia tanto em animais quanto em pessoas, principalmente as imunocomprometidas”, pontua.

Outra forma de propagação da esporotricose é pelo fungo Sporothrix schenckii, que ocorre em menor escala. O diagnóstico é feito, principalmente, com base em citologia, cultura micológica e alguns exames, mas a especialista ressalta que, na veterinária, geralmente, não há um estudo para a diferenciação entre os dois tipos de Sporothrix, o que torna deficiente a investigação do diagnóstico. “Seria essencial [esse diagnóstico] para traçar um perfil epidemiológico e saber qual é o tipo de fungo mais circulante na região”, destaca.

O tratamento é feito, na maioria dos casos, por Itraconazol, e pode durar até mais do que seis meses. “É uma doença complicada, demorada e o tratamento é longo”, afirma Natália.

Ela ressalta ressalta que, muitas vezes, o contágio dos humanos é feito justamente durante o tratamento dos pets, já que a medicação é via oral e o tutor, dependendo do temperamento do bichinho, pode ser arranhado e infectado.

Em relação aos animais de rua, grande parte, chega para o atendimento em estágio avançado da infecção, o que dificulta as possibilidades de recuperação.

A transmissão em seres humanos

A esporotricose é transmitida entre gatos que, quando contaminados, podem infectar cachorros e seres humanos. A enfermidade é repassada através de mordidas, ferimentos e contato com lesões dos infectados, já que os animais carregam o fungo nas garras, na saliva e no sangue.

Outra forma de propagação é pelo Sporothrix schenckii. Esse fungo pode ser encontrado em plantas, palhas, fragmentos de vegetais e fibras. Por essa razão ele atinge mais agricultores e demais trabalhadores rurais.

De maneira geral, explica a infectologista Sylvia Lemos Hinrichsen, em humanos, é uma micose causada pelo fungo Sporothrix e que provoca um caroço avermelhado e feridas na pele. Nos casos mais graves, podem ainda causar sintomas pulmonares, como tosse, falta de ar e dor ao respirar.

A médica orienta que é importante estar atento aos sinais e sintomas, principalmente quando surge um caroço avermelhado na pele, que não cicatriza, e procurar orientação médica. O tratamento é disponibilizado pelo SUS, que viabiliza o acesso ao medicamento Itraconazol e formulações lipídicas de anfotericina B.

Sylvia também evidencia a dificuldade do tratamento dos animais, especialmente em situação de rua. Na avaliação da médica, a questão se torna um problema sanitário importante que requer ações imediatas, principalmente na causa raiz, que é a proliferação de animais nas ruas.

“Não sei como será resolvido isso a curto e médio prazo, porque o ideal seria que esses gatos de ruas fossem retirados das ruas, tivessem abrigos para eles, tivessem tratamento”, afirma. “Tem que haver um planejamento estratégico a nível institucional da cidade, do estado, do governo, em relação ao que fazer para diminuir os animais que estão abandonados nas ruas de diversas cidades do país”, complementa a infectologista, que chama atenção para a necessidade de ação do poder público.

A esporotricose não é enquadrada como uma doença de notificação compulsória, mas o Ministério da Saúde orienta que todos os casos suspeitos ou confirmados em gatos ou cães sejam informados à vigilância local e investigados.

Programa de controle

Em Bauru, o Programa de Controle de População Canina e Felina do município foi criado por meio do Decreto 12520/2014, em 2014. Ele tem como objetivo reduzir os maus tratos e o abandono desses animais.

O programa visa orientar a população sobre a guarda responsável dos bichos, controlar o crescimento populacional, reduzir o abandono e os maus tratos, criar um registro geral de identificação animal e estimular a prática de adoção dos animais abandonados. Participam do programa a Secretaria Municipal do Meio Ambiente/SEMMA e Secretaria Municipal do Bem-Estar Social/SEBES, em parceria com o Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais/COMUPDA e demais Secretarias Municipais.

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