Por Amabile Zioli

Foto: Acervo Pessoal

Certo dia acorda, se levanta da cama, realiza sua rotina matinal e sai de casa para viver mais um dia comum. Faculdade, trabalho, reuniões e responsabilidades da vida adulta tomam todo o tempo do seu dia, seis dias da semana, quatro semanas do mês e onze meses do ano.

Nesse dia, por alguma coincidência, presta atenção em detalhes que passaram despercebidos na correria de sua rotina robótica. Através da janela do ônibus, observa crianças brincando no parque, exalando uma alegria que apenas a juventude inocente é capaz de possibilitar. Mais além, vê, na entrada de uma escola, pequenos com suas mochilas correndo de mãos dadas com seus pais, ansiosos para mais um dia de aula, enquanto outros, mais velhos, passam pelos portões com a expressão menos amigável.

Inconscientemente, é impossível não resgatar memórias quase escondidas em meio ao turbilhão de pensamentos. A infância, repleta de momentos marcantes e de felicidade genuína, traz de volta recordações que não gostaríamos de esquecer, mas que, diante das responsabilidades trazidas pelo tempo, se perdem no aglomerado de afazeres.

Como esquecer a última vez que entrou pelos portões da escola primária? Como esquecer a última vez que brincou com seus amigos na rua? São ocasiões triviais, que, normalmente, passam despercebidas: tudo, algum dia, será feito pela última vez.

O ciclo inevitável da vida, guiado pelo tempo cronológico que nos traz a obrigação do envelhecimento, o força a abrir mão dos prazeres da mocidade. A inocência, pureza e irreverência experienciadas nos primeiros anos da existência são inflexíveis, jamais retornarão. Não percebe quando vivencia a passagem entre a infância e a pré-adolescência, não nota quando seus pais a deram colo pela última vez, e, no calor da passagem entre o fundamental I e II, sequer sente falta. Falta do que, afinal? O afeto ainda está ali, mas é adaptado à fase vivida.

Quando a mudança ocorre entre o médio e a faculdade, a saudade passa a ser notada. Com a chegada d   a maturidade, a valorização de momentos e a noção das “últimas vezes” é mais presente. Quando foi para a escola pela última vez, antes de se formar, teve consciência. O momento não retornaria, mas, diferentemente da infância, aqui, percebe a importância de vivê-lo.

A falta chega quando o vazio se instala. Quando o pensamento de que “antes tudo era melhor” começa a martelar. É difícil fugir do saudosismo em meio à insatisfação. A rotina mecânica, sem vida, dá lugar à imaginação, às lembranças. Como não se lembrar, enquanto xinga mentalmente seus vizinhos pelo excesso de barulho dos seus filhos, de quando o barulho era resultado de suas brincadeiras com seu irmão?

Deixar bons momentos para trás é uma das missões mais cruéis do tempo. Ele passa e não permite retornos. Quando hábitos ou costumes comuns da infância são abandonados, não temos a noção da importância de aproveitá-los. Quando o tempo nos visita, abraçá-lo é a melhor opção, que outra escolha temos? O inevitável vai acontecer, nos resta aceitar a ideia.

O pensamento paralisante e saudoso de que nada vivido superará o passado vai contra o verdadeiro intuito da memoração: ter a certeza de que bons momentos não sejam esquecidos. A apreciação deve absolutamente compor o cenário de recordações. Geralmente, em companhia da idolatria, olhamos para nossas últimas vezes com sentimento de falta, mesmo que, na verdade, elas componham fases que não fazem parte da versão atual de nós mesmos.

No fim do dia, chega em casa, cansada, finaliza sua rotina e se deita. As recordações continuam ali, mais fortes do que nunca, abraçadas com a vontade de poder vivê-las novamente, mas, é conformada com a impossibilidade e com a oportunidade de criar novas memórias todos os dias. Reviver, no entanto, só seria possível em sonhos, que estão prestes a acontecer.

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