Em entrevista, dois casais homoafetivos falam sobre sua trajetória
Por Giovana Keiko
A comunidade LGBTQIA+ vem conquistando seu lugar na sociedade ao longo dos anos através de lutas por direitos iguais. Ao mesmo tempo em que tentam tirar direitos dessa parcela da população, há quem vá contra e defenda a comunidade. Um dos direitos que estão tentando retroceder é o de casamento civil e união estável.
Foram entrevistados dois casais homoafetivos para esta reportagem. O primeiro é formado por Felipe Rodrigues, 31, advogado, e Diego, 36, também advogado. Nesta primeira entrevista foi possível falar somente com Felipe. E o segundo, por Rubens Gonçalves, 80, arquiteto, e Marcelo Bandiera, 58, pintor. Nesta, houve a possibilidade de conversar com ambos.
Em entrevista, Felipe acredita “que esse grupo de pessoas luta contra um determinado grupo minoritário, a comunidade LGBTQIA+. Em vários outros países é muito difícil você ver isso, ver uma pessoa lutar contra direitos de outra”.

Marcelo Bandiera e Rubens Gonçalves, juntos há mais de 40 anos. Fonte: Arquivo pessoal
Contexto: Como vocês se conheceram?
Rubens: Nos conhecemos numa boate, em São Paulo, chamada Village. Ele me enganou, eu estava com uma amiga minha, e pedi para ela perguntar quantos anos ele tinha, ele disse que tinha 23. Eu, logo falei, “tô fora, imagina um moleque de 23 anos’” eu tinha por volta de 40. Nesse mesmo dia fomos levar ele em Campinas. E conversando com a mãe dele, descobrimos que ele tinha acabado de fazer 18. E aí, continuamos até hoje, temos o João Pedro, nosso filho.
Contexto: Como foi para vocês formarem uma família na época?
Marcelo: A nossa família foi formada desse jeito, assim, temos um filho. Que não tem absolutamente nenhum tipo de problema. Porque ouvimos em 1995, como será o psicológico dessa criança sendo criada por dois homens? Ele tinha também a mãe dele, e foi criado por nós com a maior normalidade do mundo.
Eu e o Rubens, a gente tem demonstrações afetivas, de abraçar, de dar beijo, pegar na mão e tudo. Mas nós nunca tivemos qualquer tipo de demonstração afetiva, não só na frente dele, mas nós nunca fizemos absolutamente nada na frente das pessoas, não é adequado para ninguém, independente se forem dois homens ou homem e mulher.
Contexto: Como o João lidava quando criança sendo criado por dois pais?
Marcelo: Isso sempre foi muito normal pra ele. Desde pequeno ele nos chamava de ‘pai Rubens’ e ‘pai Marcelo’. Muita gente ligava todos os dias em casa, por conta da minha profissão, na época era telefone fixo, e o João atendia. E a conversa era mais ou menos assim:
– Oi, João, tudo bem?
– Tudo. – ele respondia.
– Queria falar com seu pai.
– Qual pai? O pai Rubens ou o pai Marcelo? – questionava o menino a quem ligava.
Contexto: Vocês não são casados em cartório, nunca pensaram em oficializar a relação?
Marcelo: São quarenta anos de vida juntos, temos muita história pra contar. Espero que tenhamos mais tempo pela frente. Nós nunca nos interessamos em fazer uma união estável. Atualmente, as pessoas precisam garantir seus convênios médicos, quando tem uma união com uma outra pessoa, uma pensão, caso o outro venha a faltar. Então nesse sentido nós construímos uma vida permeando a minha segurança e a dele sem que nós precisássemos nos proteger dessa forma.
Então agora, não quero, nós não vamos gastar dinheiro no cartório. Temos mais do que casamento já superou tudo. Já me perguntaram se quero casar na parte religiosa, também não. Nossa união já foi abençoada desde o início, por isso que dura quarenta anos. Então nós temos a nossa benção.
Contexto: Você participa ativamente da igreja, sendo uma pessoa homossexual, como você é recebido?
Marcelo: Atualmente, sou da pastoral da catequese, minha vida sempre foi muito clara e exposta, mas como eu digo assim tem coisas na vida que a gente não precisa conversar.
Um dia o padre me chamou, não foi uma conversa muito bacana. Mas ele foi extremamente respeitoso, por eu ser um coordenador de pastoral, ele queria saber um pouco mais da minha vida. Para que ele se ele fosse abordado por uma outra pessoa, digamos, preconceituosa, falasse assim “nossa, na igreja católica, vai permitir que um coordenador de pastoral seja homossexual e que ele vive com uma outra pessoa, isso vai de encontro a nossa doutrina católica, porque é assim mesmo.” A gente quer perguntar, porque na igreja é assim. Não aceita.
Mas quando se fala sobre esse assunto com o Papa, ele sempre diz que todas as pessoas devem ser acolhidas pela igreja como filhos de Deus, em primeiro lugar, não importa qual é a orientação que ela tenha, qual é a cor da pele, qual é a posição social dela.

Diego, Felipe e sua cachorrinha Marie, no dia do casamento. Fonte: Arquivo pessoal
Contexto: Como vocês se conheceram?
Felipe: Diego e eu nos conhecemos há cinco anos atrás, em 2018. Nós estávamos curtindo uma festa, nos conhecemos, e dali em diante nós viramos aquele casal que tem aquele romance que não desgruda, sabe? Precisa estar vinte e quatro horas com a pessoa.
Diego e eu tínhamos umas coincidências iniciais quando nos conhecemos, fazemos aniversário no mesmo dia, dezoito de junho. Ele é de oitenta e sete, eu sou de 1992, e ele também é advogado por incrível que pareça.
Contexto: Quando vocês decidiram se casar, e como foi o processo?
Felipe: Em dois mil e vinte no meio da pandemia, nós íamos nos casar. Só que os planos do casamento foram atrapalhados, da festa, no caso. Primeiro nós íamos morar juntos e depois fazer o casamento civil. O apartamento já estava pronto, a gente recebeu com antecedência, estávamos planejando tudo com muita felicidade.
Quando decidimos nos casar, você tem que fazer um trâmite num cartório para o casamento e você vê o quão amparado você é. Uma pessoa não é privada de um ambiente, por conta de ser quem ela é. No cartório, fomos bem recebidos, não teve nenhum entrave ao ponto de constranger. E no mesmo dia que nos casamos, mais três casais estavam dando entrada. Aí pronto. Felizes para sempre! Estávamos ali, assinando toda a documentação. Eu errei meu nome umas três vezes… por nervosismo meu. Eu tinha que ensinar o nome de casado, tive que refazer o papel, você não pode errar, não num trâmite assim tão sério.
Contexto: Sua família esteve presente no casamento?
Felipe: Tivemos a presença dos nossos familiares que graças a Deus somos privilegiados de ter famílias que nos aceitam, nos respeitam e que são próximas nos dão todo o amor do mundo torcem por nós. É maravilhoso ter não só em casa, mas na sociedade um retorno em que você não se sinta constrangido de ser você quem você, ou praticar qualquer ato civil.
Contexto: Vocês pretendem ter filhos, já têm algum?
Felipe: Nossa família é muito feliz, nós temos uma cachorrinha, se chama Marie, ela é o nosso bebezinho. E nossa família foi se formando aos poucos. Ainda temos interesse daqui a um tempo de entrar com um processo para adoção ou pra ter os filhos biológicos. Mas ainda estamos analisando essa essa instância também.
Contexto: Quer fazer algum comentário final?
Felipe: Creio que é dever de toda pessoa buscar modificar o mundo. Já houveram lutas, já vinham buscando direitos para que hoje eu pudesse me casar, olha que profundo é isso! É meu dever fazer com que a próxima geração seja melhor, tenham mais direitos, sejam mais livres, mais felizes.
