Conheça o termo criado para agrupar mulheres que sempre encontraram-se em um cenário solitário com seus corpos
Por Letícia Rocha
(Júlia Ribeiro de Lima, jornalista, criadora de conteúdo e midsize girl. Reprodução: @juribeirodelima via Instagram)
De origem norte-americana, o termo Midsize vem se popularizando cada vez mais no Brasil e conquistando um importante espaço nos movimentos “Body Positives”. Somente no Tik Tok, a hashtag #midsize já conta com mais de 5,4 bilhões de visualizações, o que vem ajudando na criação de uma comunidade empenhada a lutar pela causa. Criado para representar mulheres que se encontram no “meio termo”, a tendência está pautada na caracterização dos tamanhos médios, que vai do 40 ao 46 (até o 48 para alguns).
O Midsize surgiu oficialmente a partir de uma situação um tanto quanto constrangedora envolvendo a comediante Amy Schumer. Após ser incluída em uma lista de “Mulheres Plus Size Inspiradoras”, pela Revista norte-americana “Glamour”, Amy não aceitou a nomeação e afirmou não se sentir representada pela moda plus size e nem sentir-se magra o suficiente para a “moda padrão”, permanecendo em um meio termo entre elas. Em suas redes sociais ela escreveu: “Não vejo nada errado em ser plus size. São mulheres lindas e saudáveis. Mas a revista me colocou em sua lista sem me consultar e isso não me parece correto. Jovens meninas vendo o meu tipo físico achando que aquilo é plus size? O que vocês acham?”, questionou a artista.
Embora o termo tenha surgido em um contexto fora do cenário brasileiro propriamente dito, ainda assim é visto como um grande momento no território nacional, principalmente para aquelas mulheres que sentem-se no limbo e ficam em uma busca constante para sair dele, desde que não seja engordando mais, já que isso é visto como algo “socialmente errado” e um sinônimo de fracasso.
“É com certeza uma questão de liberdade e pertencimento. Você conseguir se identificar e encontrar no pinterest roupas que tenham um pouco a ver com o seu corpo em corpos que se assemelham muito ao seu é libertador. É sobre você realmente conseguir se ver nessas pequenas coisas e seguir pessoas que são parecidas com você, falando de biotipo mesmo, sabe? E eu acho esse cenário de descobrimento e pertencimento totalmente importante e muito especial”, afirma a jornalista e colunista de moda e beleza, Júlia Ribeiro de Lima.
Apesar de atrair muitas mulheres, a nomenclatura ainda é vista por muitos como apenas mais uma forma de classificar os corpos, já que busca “dar um nome” para determinado tamanho.
De acordo com a jornalista e especialista, Priscilla Guedes: “é importante sim dar um nome, mas mais importante ainda é a pessoa entender que ela não é Midsize, mas sim um ser humano que precisa e merece encontrar roupas para si em todos os lugares que for, ela não é a batalha e nem um grupo, já que o termo se refere a tal. E se caracterizar dessa forma não te priva da liberdade, mas precisamos ter a consciência de que, acima de tudo, somos seres humanos.
(Priscilla Guedes, modelo plus e influenciadora digital. Reprodução: @priscillagguedes via Instagram)
Mais do que acolher aqueles que se encontram perdidos, o termo Midsize busca auxiliar as pessoas a não ocuparem o lugar de fala que não pertence a elas. Descarta-se um cenário de desmerecimento e competição entre as pessoas médias e as “plus”, afinal, pessoas gordas colocam em pauta uma série de problemas que os outros grupos jamais enfrentam, como a falta de acessibilidade e diversos preconceitos sofridos.
Em entrevista ao G1, a consultora de imagem Rita Heroína explica que o termo não foi criado para colocar mulheres em caixinhas. “Pelo contrário. Foi para que essas mulheres que não se encontram nem no corpo magro, nem no corpo plus também sejam vistas e representadas”.
No entanto, com uma forte influência da gordofobia vivida no Brasil, ainda se tem um cenário pouco propício para a aceitação do Midsize como uma caracterização. Para Júlia, a descoberta ainda é pouco conhecida pelas pessoas que não fazem parte da “bolha”, já que a partir do momento em que essa bolha é rompida surgem comentários maldosos e desrespeitosos. “Caso o tamanho de sua roupa seja maior que 38 e seu biotipo não seja visualizado dentro dos conformes padrão”, completa ela.
Pertencer é ser aceita?
Recentemente veio à tona a traição sofrida pela cantora Luísa Sonza por parte de seu ex-namorado, Chico Moedas. A amante em questão teve sua foto estampada em diversos sites, mas o que chamou a atenção foi que, por ser uma “mulher média”, a moça sofreu uma série de ataques e comentários do tipo “trocou a Luísa (magra e padrão) por uma mulher gorda”, o que escancara a falta de conhecimento das pessoas e desperta atenção para uma problemática frequente de que os padrões de moda estão cada vez mais fortes na cabeça da população, onde tudo se resume a comentários gordofóbicos caso seu corpo não seja totalmente magro.
“Os padrões não foram instituídos pelo mercado de moda propriamente dito, eles já existiram desde sempre e foram construídos pelos próprios homens, onde a mulher foi ensinada desde a fundação da Terra que o maior feito da vida dela é conquistar um marido”, explica a especialista Priscilla Guedes.
Para ela, “o que for necessário para essa mulher conquistar o marido, ela deve fazer, seja mudar seu cabelo, atitudes, aprender a fazer coisas de casa e, principalmente, ter o corpo esbelto e dos sonhos. O mercado da moda só vive um reflexo do próprio comportamento social, ele reflete o que acontece na nossa sociedade em geral”.
As problemáticas envolvendo a exclusão de pessoas com um manequim entre 40 e 46 magras não estão ligados somente à população, afinal, até para muitas marcas de roupas com numeração “padrão” o 44 já é considerado um tamanho utilizado por mulheres gordas como uma forma de justificar a ausência de variados tamanhos e peças em suas coleções.
“Vejo que as marcas não estão nem aí, o mercado na verdade não liga, ele faz o tamanho maior por ser obrigado, porque existe hoje uma luta e essa luta faz com que tenham que vender isso que não é um “padrão”, não é porque eles querem e muito menos porque gostam de vender roupas para as mulheres que não são magras”, acrescenta Priscilla.
Outro ponto também se baseia na pouca participação de modelos mid e plus nos eventos de moda.
(Victoria’s Secret lança campanha polêmica e é criticada. Reprodução: Terra.com)
Para Júlia Ribeiro, a presença dessas modelos em editoriais é vista quase como uma “cota”, não é um preconceito propriamente dito, mas sim um certo “pouco caso” de realmente representar todas as pessoas. Tanto que geralmente, de acordo com ela, as marcas buscam estampar 10 modelos magras e de corpos montados, enquanto selecionam uma ou duas modelos de corpos médio e gordo.
O que, conforme previsto por Priscilla Guedes “eles se sentem obrigados a fazer esse tipo de coisa, mas as modelos são tratadas de maneiras completamente diferentes, sendo remuneradas de formas totalmente diferentes e tratadas com indiferença”.
Cenário de mudança?
Apesar de o termo estar se tornando popular, ainda existem muitas batalhas a serem enfrentadas. Por isso, cada vez mais mulheres que se identificam com o termo estão tomando seus lugares nas redes sociais para tratarem sobre o assunto e despertar o sentimento de pertencimento e acolhimento às mulheres que ainda se encontram no limbo.
Em entrevista à Revista Marie Claire, a influenciadora e pós-graduanda em moda Adriana Alfaro contou sua experiência. “Quando eu vi esse movimento na internet foi como se acendesse uma luz na minha cabeça. Eu passava horas vendo vídeos de mulheres brasileiras e estrangeiras falando sobre looks e aceitação do corpo. Isso virou uma chavinha em mim. Depois de tantos anos com vergonha do meu corpo, tendo que esconder ele, tendo que aceitar que eu não era o padrão, que eu não cabia ali, eu me enxerguei. Foi como se tirassem uma venda dos meus olhos depois de muitos anos odiando o meu corpo”, afirmou ela.
Ao universo da moda, é preciso abandonar o pensamento das roupas como objeto primordial. O foco deve estar totalmente voltado aos clientes e suas necessidades, de modo a pensar num âmbito geral em como as peças irão impactar aquela vida, compreendendo que cada corpo dispõe de suas particularidades únicas.
Além disso, Priscilla Guedes estabelece que é necessário se munir de conhecimentos, sejam eles sociais, de moda e com relação às lutas defendidas pelos grupos. Mas mais do que isso, ter o discernimento de que você pertence sim ao Midsize e quanto a isso está tudo bem, só é primordial ter a consciência de que o termo se refere à caracterização de um conjunto de tamanhos de roupas, não à pessoa em sua natureza humana.
