Entenda como o estigma se associa ao diagnóstico tardio de TEA em mulheres
Por Isadora Sousa
Para entender o estigma associado ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) na sociedade é necessário saber a que esse termo se refere. O “autismo” tornou-se evidente em 1943, nos Estados Unidos, quando o psiquiatra austríaco Leo Kanner publicou a obra “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”.
O artigo descrevia casos de crianças que hoje são conhecidas como autismo nível três de suporte. Algumas das características observadas foram o pouco comportamento verbal, muita estereotipia e sensibilidade sensorial. Ele usa o termo “autismo infantil precoce”, pois os sintomas já eram evidentes na primeira infância.
Em 1944, o também psiquiatra austriaco, Hans Asperger escreveu o artigo “A psicopatia Autista na Infância”, identificando uma ocorrência semelhante em muitos aspectos, que acometia principalmente meninos. No estudo de Hans, algumas diferenças fundamentais foram pontuadas: os meninos avaliados tinham uma “condição cognitiva mais preservada”.
Por muito tempo foi difundida a errônea ideia de que existiam tipos de autismo, os mais graves e menos graves. A síndrome de Asperger, por exemplo, seria uma manifestação menos grave da condição.
Finalmente, o TEA foi compreendido como um transtorno que acopla condições diversas quando a psiquiatra britânica, Lorna Wing, propôs que se falasse em Transtorno do Espectro Autístico e não autismo de um tipo, ou de outro, e sim diferentes graus de necessidades e dificuldades.
Atualmente, o transtorno pode ser descrito como um conjunto de condições neurológicas que afetam o desenvolvimento e a interação social de uma pessoa, caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento, na comunicação e na linguagem, variando em grau de suporte, do 1 ao 3.
Muito do estigma associado ao TEA se concentra no que era conhecido como autismo grave, ou seja, nível 3 de suporte. Então, as pessoas no espectro que tem necessidades pontuais, que tem um bom pensamento simbólico e que se comunicam bem, mas tem outros tipos de dificuldade, acaba sendo excluído.
Normalmente, o diagnóstico tardio acomete principalmente pessoas no grau 1 de suporte, pois sem algumas das características clássicas, a pessoa pode receber um diagnóstico incorreto, entre os mais frequentes, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Para as mulheres, que detém o maior volume de diagnóstico tardio, a trajetória para o autoconhecimento é ainda mais difícil.
Ana Carla Vieira Ottoni, psicóloga escolar, especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo pela Universidade Federal de São Carlos e escritora do livro “Sexualidade e Autismo” explica que é muito comum que meninos sejam diagnosticados na infância e meninas não, existe um número muito significativo de mulheres conseguindo o diagnóstico depois dos quarenta, ou cinquenta anos, por exemplo.
“As meninas são mais exigidas, do que os meninos em termos sociais, desde o ensino infantil, desde pequenas, elas têm que ser simpáticas, conversar, ser educadas. Elas são muito forçadas para essa socialização. Então elas acabam desenvolvendo o que a gente chama de masking, o disfarçar de suas dificuldades.
Mirian Carolina Valente Ferreira, de 36 anos, psicóloga e mestra em Psicologia do desenvolvimento e aprendizagem, conta que seu diagnóstico veio aos 27 anos, após um processo complicado que durou cerca de quatro a cinco anos.
“O que me fez buscar esse diagnóstico foi quando entrei no curso de Psicologia e estudei sobre TEA de forma superficial, eu me identifiquei bastante, só que todo mundo se identifica com alguma coisa na faculdade de Psicologia. Então eu fui ler algumas coisas e essa identificação ficou mais forte”.
Além de pesquisar o assunto, Mirian buscou por testes online -que não são eficazes- mas que ajudaram-na a trilhar um caminho para o diagnóstico. Durante sua trajetória atrás de respostas, um empecilho foi o despreparo dos médicos e psicólogos, que não sabiam responder suas perguntas.
“Muitos me trataram mal e inclusive me disseram que eu não tinha nada disso e eu queria arranjar problema e que só mimada. Me aplicaram testes que eu sabia que não serviam para diagnosticar autismo, tentaram me enganar”.
Ela permaneceu firme, encontrou profissionais que estavam dispostos a fazer todo o processo de psicodiagnóstico correto, com aplicação. E finalmente a suspeita do autismo foi confirmada.
Assim como no caso de Valente, muitas outras mulheres buscam diagnóstico após serem expostas ao tema e se reconhecerem naquelas características, e passam pelos mesmos empecilhos, a descrença de médicos e diagnósticos imprecisos.
“Existe um mito de que se uma pessoa é funcional, tem vida sexual, tem autonomia, o médico olha e fala, imagina que você tem autismo, autismo é aquilo ali que eu vejo naquela pessoa que é dependente. Esse mito colabora pro diagnóstico tardio”, explica Ana Carla Ottoni sobre o mito da infantilização em portadores de TEA.
O diagnóstico tardio é um importante recurso de autoconhecimento. Ainda para pessoas no espectro que necessitam de menos suporte, isso não os torna “menos autistas” e a descoberta a qualquer momento da vida, não perde sua importância.
“Depois que eu oficialmente recebi o diagnóstico eu pensei, bom, agora eu estou conseguindo entender o que acontece comigo. Você finalmente tem uma explicação que não é preguiça ou má vontade da sua parte, não é ser anti social ou frescura, você começa a entender quem você é e como funciona. Você começa a entender as coisas que te fazem mal, que te dão gatilho, que vão te gerar desconforto. E a partir disso, começa também a pensar em estratégias para se sentir melhor, para se respeitar mais, para ensinar as pessoas a respeitarem seus limites também”, finaliza Mirian.
