Com falhas de roteiro, série sobre a vida da ‘Rainha dos Baixinhos’ promoveu reencontro com sua ex-empresária após 19 anos
Documentário se tornou a série documental mais assistida do Globoplay, destacando a grandiosidade do fenômeno que conquistou uma legião de fãs mundo afora (Foto: Agência O Globo)
Matheus Santos
Quando Xuxa estreou na televisão para comandar o Clube da Criança a convite do diretor Maurício Sherman em 1983, não demorou muito para conhecer Marlene Mattos. A maranhense (conhecida pela exigência e intolerância) era assistente de Sherman e assumiu a direção do programa em sua última fase, incorporando cenários coloridos e convidados especiais à atração.
Naquela época, a audiência da extinta Manchete começou a superar a da Globo, que enxergou a oportunidade de trazer a modelo para animar a manhã da emissora. A estreia do Xou da Xuxa em junho de 1986 revelou que o programa seria um sucesso, assim como a parceria entre Xuxa e Marlene até o início dos anos 2000, quando encerraram uma relação marcada por abusos e mentiras. Após 19 anos sem notícias uma da outra, ambas ficaram frente a frente em Xuxa: O Documentário, série do Globoplay com cinco episódios que revisita o passado da ‘Rainha dos Baixinhos’.
Durante as filmagens da série, Xuxa revelou que conciliava as gravações do ‘Clube da Criança’ com a sua carreira internacional como modelo nos Estados Unidos (Foto: Acervo pessoal)
Ao lado de A Superfantástica História do Balão, do Star+, e de Bingo: O Rei das Manhãs, da HBO Max, a série documental dirigida por Pedro Bial é mais uma produção que resgata tempos nostálgicos, lançada nos últimos anos. Apesar de incluir bastidores do próprio documentário, numa tentativa de torná-lo descontraído, as entrevistas e depoimentos reforçam a onda de homenagens aos 60 anos de Xuxa.
O roteiro de Camila Appel apresenta muitas lacunas que suprimem fatos e versões de histórias da carreira da apresentadora, como o rápido namoro com o piloto Ayrton Senna. Duas das maiores personalidades do Brasil engataram um relacionamento que só não durou porque o destino não quis, e também pela pressão de sua ex-diretora, que a forçou a escolher entre o amor e a profissão. Xuxa preferiu focar em sua carreira, enquanto o maior fenômeno da Fórmula 1 morreu em 1994.
Nessa época, já haviam se passado dois anos desde o término do relacionamento, e Senna estava namorando Adriane Galisteu. Porém, foi Xuxa quem recebeu o título de viúva. O documentário falhou em não escutar a versão de Galisteu para esclarecer o desentendimento público entre as duas.
Após o enterro do corpo de Senna, Galisteu foi retirada do carro da família, enquanto Xuxa entrou no mesmo veículo com a irmã do piloto (Foto: Edu Garcia / Estadão)
Além disso, os episódios desconexos, sem qualquer tipo de linearidade ou aprofundamento, marcam a subjetividade da participação de Xuxa na coprodução. Não fica claro, por exemplo, como ela conheceu Pelé ou por que manteve proibida a exibição e a comercialização do filme Amor Estranho Amor por 27 anos. O terceiro episódio intitulado Amor, Morte. Vida, Fogo reúne de maneira confusa quatro eventos sem envolvimento, incluindo o nascimento de Sasha e o incêndio nos estúdios do Xuxa Park, responsável por abalar a relação entre Xuxa e Marlene.
Dirigido pelo renomado cineasta Walter Hugo Khouri, o filme estrelado por Tarcísio Meira,Vera Fischer e Xuxa retrata e critica a sociedade brasileira às vésperas do golpe que instituiu o Estado Novo (Foto: Jorge Araújo)
Outro aspecto problemático é a presença desnecessária de Angélica no último episódio. Embora a apresentadora tenha substituído Xuxa após sua saída da Manchete, a edição deixou essa informação de fora. O mesmo aconteceu com Luiza Brunet. A modelo estampou capas de todas as principais revistas do Brasil com Xuxa, inclusive as masculinas, mas a narrativa fez questão de ignorar.
O documentário, no entanto, não explora a possibilidade de questionar a jornada de trabalho excessiva nem as pressões impostas por Marlene, as quais desencadearam problemas de coluna e uma crise de burnout em Xuxa em 1993. Ainda, embora exista a discussão sobre a escolha de meninas brancas e loiras para serem assistentes de palco, ela é feita de maneira superficial, sem problematizações ou criticidade.
Xuxa: O Documentário poderia ter sido o melhor registro biográfico já feito sobre a maior estrela brasileira de todos os tempos, cuja presença e memória estão incrustadas no imaginário popular de quatro gerações. Contudo, a série se restringiu a apenas enaltecer o que já se sabia sobre a ‘Rainha dos Baixinhos’, deixando de lado a oportunidade de fornecer novas informações sobre Maria da Graça Meneghel, mulher que foi e continua sendo exemplo de inclusão, empoderamento e luta pelo direito de animais e crianças.
Reencontro de Xuxa e Marlene Mattos é a única novidade do documentário, no entanto, a produção deixa a desejar ao não abordar de forma esclarecedora os desentendimentos entre as duas (Foto: Blad Meneghel)
