Como a universalização de ser mulher funciona dentro das trends do Tiktok

Clara Sganzerla

Muito antes do TikTok viralizar e antes mesmo do Instagram ter sua primeira foto publicada, estudiosos e cientistas sociais já falavam do fenômeno da globalização. Ela foi alavancada especialmente pelo encurtamento das distâncias em consequência da internet, tecnologia que mudou completamente a maneira como vivemos, nos comunicamos e relacionamos na atualidade.

Apesar das projeções que foram feitas acerca dos desdobramentos comportamentais das redes sociais na sociedade, não poderíamos prever como o público feminino utilizou-se do TikTok para partilhar experiências e trazer a universalização de ser mulher como trend. Assuntos considerados banais tornaram-se redes de relacionamentos a partir de vídeos curtos sobre o que as mulheres comem no jantar, o “girls dinner“, e mais adiante, como as meninas lidam com as finanças, o “girls math“.

Um dos ícones do consumismo que, se fosse atual, com certeza seria adepta ao #girlsmath é a personagem Becky Bloom do filme “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom”

Abordado pela primeira vez por Samantha Jane, a norte-americana de 28 anos decidiu traduzir uma forma de pensar que, de início, não parecia ser tão universal. Com mais de três milhões de visualizações no aplicativo, o vídeo é sobre alguns exemplos da maneira como ela, particularmente, pensa sobre dinheiro: “Se eu devolvo alguma peça na Zara por $50 e compro algo por $100, ele me custou apenas $50.” ou “Até mesmo quando eu compro ingressos meses antes do evento, eu chego no show e fico ‘isso foi um show de graça, certo? Matemática das garotas.”

Rapidamente, os comentários começaram a trazer situações ainda mais específicas, que passaram a ganhar muitos likes e visibilidade. Em entrevista ao Buzzfeed, Samantha diz que o termo não foi criado por ela, mas que sentiu que ele ressoou em muitas. A partir de seu vídeo, a hashtag #girlsmath passou a ser uma vasta coleção de exemplos sobre o conceito no aplicativo.

No entanto, engana-se quem pensa que seu sucesso deu-se apenas pelo assunto finanças: a trend cativou milhares de mulheres por trazer a universalização de situações do cotidiano feminino, carregando uma sensação coletiva de identificação. Dessa forma, as minúcias da rotina dessa parcela começaram a ser compartilhadas, romantizadas e acolhidas, trazendo toda uma concepção positiva para aquilo que é considerado “coisas de menina”.

Filmes com as temáticas “girlies” dos anos 2000 também voltaram a ser febre nas redes, como “Patricinhas de Beverly Hills”, “Meninas Malvadas” e “Legalmente Loira”.

Para a estudante de engenharia química na UFSC Isabela Dalmolin, de 22 anos, a teoria relaciona-se menos com finanças e mais com a percepção dos gastos de cada um, e que o interessante da viralização é exatamente permitir que mulheres identifiquem esses pontos em comum. Ela ressalta: “Por exemplo, se em uma dada situação eu tenho a sensação que gastei menos, não quer dizer que eu não sei que gastei um valor maior, apenas que ‘pesou’ menos no bolso.”

Quanto a #girlsdinner, não podemos trazer a mesma generalização, pois o alerta precisa estar ligado: entre memes, risadas e brincadeiras, há também um obscuro lado que envolve transtornos alimentares e problemas muito mais sérios. Mesmo que o início da trend não tenha sido para essa finalidade, esse conteúdo não é novo pela internet e apenas encontrou mais um lugar para espalhar suas amargas raízes.

No geral, devemos sempre analisar criticamente qualquer tipo de tendência que surja na internet, mas que, felizmente, a matemática das garotas se torna algo mais adiante das finanças. Para além de apenas mais um viral de meninas dando exemplos “consumistas”, temos uma comunidade que, aos poucos, se fortalece com o maior dos laços: a identificação.

Deixe um comentário