Conto escrito por Edusa.
Sabe como é dentro da mente de alguém ansioso?
Vou te contar. Mas, preciso falar. Essa é a minha visão. Não tem apenas ansiedade. É a mistura de todos os meus sentimentos e acontecimentos que criaram minha ansiedade. Talvez, eu deva começar do começo.
A PRIMEIRA VEZ
na medida do possível, minha infância é normal.
Moro com minha mãe em uma casa de dois cômodos. Ela sempre está dormindo, porque trabalha à noite. Então, só tenho um cômodo para brincar. E quietinha. Brinco sozinha. só tem eu. Crio mundos e longas histórias com as minhas bonecas. Talvez mundos demais. Talvez histórias demais. Não ligo.
Todos reclamam de ir para escola, mas é minha parte favorita. A única hora do dia em que sinto que posso conversar. falar. Tenho muitas amigas. Bato nos meninos para defendê-las.
Minhas amigas. Elas têm dinheiro. Podem comprar Barbie’s originais, ir aos passeios, comprar doce na cantina da escola. É meu maior sonho. Sou viciada em doce. Comecei a juntar dinheiro, cada moeda perdida, cada troco doado, cada coisinha eu guardava. Guardei por 3 meses. finalmente, consegui. Bem no último dia de aula. Juntei e fui comprar. Comprei muito doce e dividi com minhas amigas. Meu dente ficou doendo, minha barriga também, mas estava feliz. Rica por um dia.
No fim da aula, minha mãe veio me buscar furiosa. Odeio o modo como ela fica furiosa. Me olha com aquela cara, não fala nada. Fica me encarando e me encarando e me encarando até eu me sentir um nada. Fico pensando em tudo que fiz. Tudo que não fiz. Tirei o lixo? Guardei meus brinquedos? Deixei meus livros jogados? Alguém contou que eu não sou uma garota-quieta-e-obediente? Toda vez que ela me olha assim, sinto dor de barriga. Parece que meu coração vai sair pela boca. Tenho vontade de ir ao banheiro e fazer o número dois. Sinto que meu mundo está desabando, meu corpo tremendo, que todos estão vendo que sou anormal. mas se eu me olho no espelho estou normal, é só coisa da minha cabeça. né? né?
Mas ela continua me encarando daquele jeito. Ainda tenho dor de barriga. Ainda penso no que fiz e não fiz.
“Você pegou meu dinheiro!” ela grita, assim que chegamos em casa. Tento falar que fui eu quem juntei, que demorou e que é meu.
“E quem te deu o dinheiro? Não era seu, era meu”
Começo a chorar. Meu esforço não valeu de nada, como tudo o que eu faço. Tudo.
Minha mãe me inclina e me bate de cinto. Choro alto. Não pela dor. Por fazer tudo errado por não saber controlar nada por achar que sei algo por tentar existir por ainda estar respirando.
Nessa idade, eu não sabia direito o que era morte. Mas essa foi a primeira vez que a desejei.
Minha mãe parou de me bater e eu não parei de chorar. baixinho. no canto. Só as lágrimas correndo no meu rosto. Inútil. Ela não disse isso, mas deve ter pensado. Se não pensou, eu pensei o suficiente por ela.
Fomos para a minha avó, eu sempre dormia lá por conta dos plantões dela. Minha mãe pediu desculpas. Inútil. não falei nada. não conseguia. Chegamos na minha vó, ela perguntou o que eu tinha. não falei nada. Inútil. fui dormir chorando. Inútil. Inútil. Inútil.
No outro dia, minha mãe me pergunta se o gato comeu minha língua. ri e continuei quieta. Inútil. ainda estava com dor de barriga e com o coração acelerado. Minha mãe agia como se nada de mais tivesse acontecido.
A partir daquele dia, eu deixei de ser a criança falante. Comecei a ser a criança quieta. estranha. Inútil. é assim até hoje.
SENTIMENTOS
porém, contudo, todavia, sentimentos não se instalam pela eternidade. sentimentos precisam de reforços. ansiedades também.
A infância acabou mais rápido do que o esperado. Me trataram como adulta e agi como tal. ia a lugares sozinha, desejava ter mais dinheiro, resolvia problemas que não deveriam ser meus. desejava a morte. É isso ser adulto, afinal? Por muito, pensei que sim. Por pouco, ainda penso que sim. Fui me sentindo sugada. entrando num limbo de pensamentos.
Aos treze anos.
Eu não posso trabalhar ainda. às vezes parece que só o trabalho dá o mérito ao indivíduo. e eu não posso trabalhar ainda. tento me esforçar nos estudos. mas não parece o suficiente. Começo muitas coisas e quase não consigo terminá-las.
Sinto tanto ao não sentir nada. Estou na escola e sinto que estou sozinha mesmo falando com todos. Não consigo achar utilidade em mim. Penso em maneiras de me reconhecer no espelho. Não me reconheci depois de me bater, nem senti. Doeu não sentir.
Ninguém prestou atenção. Ninguém viu. Penso que posso fazer uma coisa maior. Não como por três dias. passo mal. muito. mas ninguém repara de novo. perco a vontade de viver. me rastejo pelos cantos. não consigo tomar banho. me sinto mal por não ter motivo de estar mal e ainda assim estar muito mal. Um dia alguém grita comigo e me chama de “imunda”.
Finalmente.
Finalmente, tenho um motivo para me sentir mal. Me sinto bem ao me sentir mal. É um reforço de sentimentos que venho caçando nos outros ao longo dos anos. Depois de anos, me quebro inteira. Não aguento mais me sentir mal. Não aguento mais ser acelerada. Não aguento mais não parar de pensar.
Mas. Depois de tanto tempo. Não consigo parar. A ansiedade me consome e não tem como parar. Os remédios entram e me desligam. Mas ainda não consigo parar. Não tem como.
Esta é uma estória fictícia, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. ou não.
Eduarda Cardoso de Sá. Edusa.
