Por Daniela Moraes Bianchezi

Todas as manhãs caminhava com a desgostosa sensação de obrigatoriedade que envolvia a ida à escola. A garota ia com a cabeça baixa em direção ao prédio de mármore nada atrativo. 

Ela não gostava da escola, porque não podia estudar seus pensamentos, ao invés disso tinha que aprender a pensar como outras pessoas pensavam. Nunca seria uma mente viajada como a de Darwin, mas tampouco isso desejava, Darwin não tinha a criatividade vibrante dos artistas. Também não desejava a mente atormentada de Van Gogh, um artista querido por todos. Não, ela gostava de pensar nas histórias que as pessoas poderiam ter. Não sabia suas histórias, mas ficava pensando o que as leva até onde estão e o que está no coração delas. 

Para chegar à escola, precisava virar à esquerda na esquina, andar por dois quarteirões e depois dobrar outra rua à direita. Era lá, na dobrada da direita em que pensava todos os dias.

Todas as manhãs, no mesmo lugar, completamente sozinho, um senhor sentado numa cadeira de tiras de plástico ficava debaixo de uma árvore dando um alegre “Olá” aos viajantes que por ali passavam. Ela nunca conseguiu descobrir por que o senhor simpático estava sempre sentado, sozinho, dando oi aos estranhos.  

Talvez não tivesse família, mas quem o deixaria lá? Talvez fosse um dos moradores das taciturnas casas de repouso de idosos, mas eles certamente não o deixariam sair sozinho. 

Também não tinha coragem de abordá-lo, era curiosa mas, por Deus! Não podia perturbar a paz do homem. Então apenas imaginava. E dava oi de volta, todas as manhãs.

Um dia o senhor conversou com ela. 

“Olá moça, está um dia lindo, não?”

Ela ficou empolgada. 

“Está sim, senhor. Adoro um céu azulado”. 

Ele a olhou de soslaio e disse: 

“Olha, vou dizer que isso deixou meu dia mais feliz, todo mundo sempre ignora meus cumprimentos.”

O senhor deixou transparecer um semblante triste. A menina ficou ainda mais curiosa. 

“Quem traz o senhor aqui?” 

“Venho sozinho, sempre que posso, as pernas ainda funcionam.”

“Não tem filhos que lhe façam companhia?” 

“Ah sim, tenho filhos, mas todos estão casados e se mudaram para cidades longes, além do mais, estou bem aqui. Consigo pensar melhor sozinho.”

Ela sorriu. 

“E em que pensa?”

Ele assumiu um semblante sério.

“Penso nas pessoas, em como se tratam.”

A menina não entendeu a sentença.

“Pensa em como as pessoas se tratam?”

“Sim” 

“E por quê?”

Ele se virou para ela.

“Nem todos gostam de si mesmos, vejo isso quando as pessoas são rudes comigo. Tudo o que fiz foi cumprimentá-los com um Bom Dia, mas nem todo mundo é feliz sobre como o mundo as trata e elas passam a se tratar mal também. Ninguém com paz dentro de si é capaz de ser rude com as pessoas”.

A menina ficou confusa outra vez.

“As pessoas o tratam mal?” 

“Sim, às vezes” 

“E por que o senhor continua a vir aqui?”

“Porque tenho paz comigo mesmo, e no final, principalmente no final da vida, é só isso que importa” 

A menina foi para a aula, mas as palavras do senhor não saiam de sua cabeça. Começou a classificar as pessoas que conhecia, pensando se elas estariam em paz consigo mesmas do mesmo jeito que o homem falou. Pensou que talvez fosse por isso que alguns professores eram maus, mas que alguns eram bons. Que alguns de seus colegas faziam piadas sem graça sobre os outros, por não estarem satisfeitos com eles mesmos. 

Ela passou a entender as relações de conhecidos, familiares e colegas. E por algum tempo esqueceu dos estranhos. 

Passou mais vezes pelo local do senhor, a dobra da esquina. Não o viu. 

Passou por lá mais vezes. Não o viu. 

Um mês se passou e ela começou a se perguntar se ele realmente existiu ou se foi apenas delírios constantes da mente criativa. 

Perguntou à mãe, se rendendo: “A senhora já reparou naquele senhor que ficava sentado na dobra da esquina?”

A mãe respondeu com indiferença.

“Sim, mas parece que teve de ser internado”

A menina preocupou-se.

“Por que? Estava mal de saúde?”

A mãe lhe respondeu: “Está mal de saúde há anos, ele é um daqueles touros velhos que não quer morrer, luta muito.” 

“Você acha que ele melhora?” 

“Não sei, depende se quer mesmo viver”.

Na manhã seguinte, não o viu. Foi para a aula e ficou preocupada com o senhor. Havia se afeiçoado a ele de uma maneira interessante, ele também pensava sobre as pessoas, e isso fez com que ele fosse parecido com ela, que sempre teve um olho nos estranhos.

Dois dias depois, o viu sentado na cadeira. Ele parecia muito doente, mas tinha o mesmo olhar doce sempre. 

“Olá menina, o céu está lindo hoje, não?”

“Olá, senhor, está melhor de saúde?”

O homem deu um longo suspiro.

“Pessoas da minha idade não melhoram, só somos teimosos”.

Ela riu com sua indiferença.

“Desejo melhoras mesmo assim”

O homem sorriu.

“Gosto de você, se parece comigo”

Ela sorriu e lembrou do próprio pensamento dias atrás.

“Por isso quis conversar comigo aquele dia?”

Ele se endireitou. 

“Quis conversar com você porque parecia estar em paz consigo mesma. E estava?”

A menina pensou, com certeza suas idas à escola não eram seu ponto alto do dia, mas ver o senhor com certeza era uma coisa interessante. 

“Acredito que sim senhor, estou em paz comigo.”

Ele balançou a cabeça afirmativamente.

“Bom” 

Ela se despediu e foi para a escola. E ela nunca mais o viu. Um mês, um ano. Nunca mais o senhor foi visto. Mas no mesmo lugar, debaixo da mesma árvore, floresceram flores vermelhas, que pareciam sorrir quando as pessoas passavam.

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