Por João Pedro Bolognesi

Em janeiro, a transferência de Cristiano Ronaldo para o Al-Nassr, da Arábia Saudita, chocou os fãs de futebol ao redor do globo. O craque português deixou o Manchester United no final do último ano, após um período conturbado, e parou em uma liga até então pouco vista pelo público.

Na última janela do mercado, fechada no dia 07 de setembro para os clubes da primeira divisão, o investimento foi ainda maior. Grandes nomes como Karim Benzema, atual vencedor do Ballon d’Or, Sadio Mané, Kanté e o camisa 10 da seleção brasileira, Neymar, deixaram o mercado europeu por quantias irreais para atuarem no campeonato saudita. Lionel Messi também foi procurado pelo Al-Hilal, porém decidiu assinar com o Inter Miami.

Mas como tudo isso é possível e quais são os objetivos dessas transações?

A origem das movimentações

Na Arábia Saudita, a principal fonte de renda dos clubes é o aporte financeiro do governo. Os investimentos no futebol são somente uma parte de um grande projeto político para melhorar a imagem do país, chamado de “Visão 2030”.

Príncipe saudita Mohammed bin Salman. (Foto: BANDAR AL-JALOUD / AFP)

“Idealizado pelo príncipe Mohamed [bin Salman], [o Visão 2030] é a estrutura de toda a estratégia. Diversificar a economia, aumentar a participação do setor privado, reduzir o desemprego, aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho, não deixar o país à mercê da volatilidade do petróleo. Além de mudar a vida no reino, ampliar o entretenimento e fazer com que os sauditas gastem dinheiro dentro do país, não em outras regiões do Golfo como ocorre atualmente”, explica José Antonio Lima, Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo, em entrevista à CNN.

Originado a partir das receitas da exportação do petróleo, o Fundo de Investimento Público (PIF) é o principal fundo de riqueza soberana do país. O Ministério do Esporte faz uso dele para a distribuição de recursos aos clubes.

Sob o governo do príncipe herdeiro e governante da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, o PIF passou a ser um veículo de investimento global, com aportes bilionários em empresas de tecnologia, infraestrutura, energia, farmacêuticas, entre outras.

Além disso, dirigentes dos próprios clubes e empresários também investem no esporte, mesmo também recebendo dinheiro do fundo soberano para os seus negócios e com envolvimento com o atual regime do país. Ainda assim, a liga é marcada por bastante desigualdade financeira.

Os quatro grandes clubes

Benzema levanta seu prêmio Ballon d’Or em sua apresentação como jogador do Al-Ittihad. (Foto: AFP)

A partir de junho, o PIF tornou-se dono de 75% do capital dos quatro maiores clubes da Saudi Pro League: Al-Ahli, Al-Ittihad, Al-Hilal e Al-Nassr. Juntos, os clubes somam 39 títulos nas 48 edições do campeonato saudita.

Em outubro de 2021, o PIF também já havia adquirido 80% do Newcastle, time da Premier League.

Além dos quatro clubes principais, outros ainda possuem ligação ao Ministério do Esporte, porém recebem os recursos estatais em percentuais menores e de forma menos intensa. 

Sportswashing

Seleção da Arábia Saudita comemora gol contra a Argentina na última Copa do Mundo. (Foto: REUTERS/HANNAH MCKAY)

O termo “sportswashing” é utilizado para referenciar regimes autoritários que realizam investimentos esportivos com o objetivo de melhorar a imagem pública, tanto interna quanto externa, e tirar a atenção dos abusos cometidos.

Além de amenizarem as polêmicas do governo ditatorial, também representam poder aquisitivo, atraindo aportes financeiros ao país. Assim, utilizar o futebol nessa estratégia, esporte mais popular do mundo, garante apoio tanto do público nacional quanto das economias internacionais.

Para isso, o país tem o objetivo maior de sediar uma Copa do Mundo, com o alvo principal marcado para o ano de 2034. O evento garante todos os objetivos almejados pelo regime.

Além de atrair o interesse da juventude local, essa iniciativa fortaleceria o sentimento nacionalista com a seleção jogando em casa, serviria como um ímã para investimentos que contribuiriam para a diversificação da economia do país e ainda demonstraria a importância política e diplomática da Arábia Saudita, ao mesmo tempo em que consolidaria relações mais estreitas com nações ocidentais.

Por trás da máscara

Mohammed Bin Salman busca uma nova abordagem após a coroação de seu pai, em 2015. O príncipe herdeiro tenta aplicar uma visão mais nacionalista, deixando a religião um pouco de lado. Como uma de suas ferramentas de manipulação pública, utiliza o esporte e entretenimento.

“É uma atualização do contrato social. A ideia é conceder à população algumas liberdades, em especial no campo social, jamais político. A ideia é levar a Arábia Saudita para a contemporaneidade. É um país em que até pouco tempo atrás não existia cinema”, conta o cientista político José Antonio Lima em entrevista à CNN.

A relação afetiva entre pessoas do mesmo gênero ainda é proibida na Arábia Saudita, e não há qualquer indício de uma mudança a curto prazo. Com a grande maioria de sua população conservadora, a falta de apelo público sobre o assunto faz com que o cenário se mantenha.

Quase 50% da população saudita, as mulheres têm ganhado espaço na sociedade e no mercado de trabalho do país. Recentemente, houve a liberação para que pudessem dirigir e frequentar estádios de futebol, indo contra a parcela mais religiosa do povo.

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