
Por Isis Bianco
A primeira rodada das eleições argentinas aconteceu no dia 13 de agosto deste ano e contou com o maior número de abstenções visto no país desde a sua criação em 2011. As Paso (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), são um ensaio para as eleições gerais da Argentina e também são consideradas um indicativo de quem tem chances de vencer a corrida eleitoral.
Apesar de contar apenas com 69,62% dos eleitores, as primárias tiveram um resultado inusitado. Javier Milei, do Libertad Avanza, foi o candidato mais votado com 30% dos votos válidos. Apesar de ter ficado à frente em 18 das 23 províncias, Milei não foi vitorioso na Grande Buenos Aires. O candidato apresenta-se como uma alternativa inovadora à velha política e tem como principal pauta acabar com a crise econômica dando fim ao Banco Central e dolarizando a economia do país.
Para Eduarda Apoitia, conhecida como Duda Bolche nas redes sociais, formada em relações internacionais pela Universidade Federal do Pampa e mestre em integração regional pela Universidad de la República, apesar de Milei abraçar a identidade de um outsider da política, ele não traz nada de novo além do seu discurso, visto que o candidato pretende resgatar nomes de governos liberais passados, como é o caso do ex-ministro da economia Domingo Felipe Cavallo, responsável pelo congelamento das poupanças, o corralito.
Com uma cartilha conservadora e cercada de polêmicas, Javier Milei ganhou os holofotes da mídia em 2017, após a estreia de seu programa de rádio “Derrubando Mitos”. Apesar da baixa audiência, seus comentários direcionados a políticos e economistas foram essenciais para que Milei fosse convidado a participar de talk shows em horário nobre na televisão argentina. Sobre o ganho de popularidade de Javier, Eduarda afirma: “O discurso dele apela para emoções que cativam a população, especialmente os mais jovens, e isso fez com que ele se tornasse tão popular”.
Economista formado pela Universidade de Belgrano, o candidato se autointitula anarcocapitalista e defende que o papel do Estado deve ser mínimo, limitando-se à proteção de seus cidadãos, deixando setores como economia, educação e saúde reféns da ação do livre-mercado. Além disso, para Milei, a liberdade que tanto defende em seus discursos não se estende ao âmbito dos direitos sociais.
Dentre suas propostas, encontram-se o fim da obrigatoriedade e gratuidade da escola, a liberação da venda de órgãos e porte de armas e a recriminalização do aborto, direito social recém conquistado pela luta feminista na Argentina em 2020. Na visão de Eduarda, Milei não terá o caminho livre para pôr em prática suas promessas de governo, “Ele não consegue porque ainda é um presidencialismo e projetos precisam passar por votação”.
Apesar da popularidade, Javier Milei não está agradando a seus pares. No dia 10 de setembro, foi divulgado um documento que contou com a assinatura de mais de 170 economistas, afirmando que a política econômica de Milei é imprudente e pode dificultar ainda mais a situação econômica do país. Além disso, em entrevista ao programa Odisseia Argentina, Vilma Ibarra, secretária jurídica e técnica da Presidência da República da Argentina, afirma que Milei não é um liberal e sim um totalitário.
Assim como Jair Bolsonaro, Javier Milei representa uma série de retrocessos em relação a políticas sociais. Após vencer as eleições primárias, Milei afirmou em sua declaração official: “Estamos diante do fim do modelo de castas. Um modelo baseado nessa atrocidade, que diz que onde há necessidade, nasce um direito. Mas esquece que alguém tem que pagar por esse direito, cuja expressão máxima é essa aberração chamada justiça social”. O ex-presidente brasileiro demonstrou apoio a campanha política do candidato argentino nas eleições presidenciais.
Da mesma forma que Bolsonaro em 2018, Milei representa a ascensão de uma extrema-direita totalitária e sua retórica reacionária expressa uma ameaça ao direito democratico.
Para Eduarda, a vitória de Milei nas eleições pode simbolizar um respiro para a ala ultradireitista na América Latina que, mesmo sendo derrotada nas urnas, não é desfeita no imaginário da população.
“A vitória dele [Milei] mantém o legado da extrema direita vivo o que pode ocasionar outros países da américa latina tenham suas extremas direitas reorganizadas”, afirma a internacionalista.
Contraditório e autoritário, Javier Milei continua sendo um dos favoritos para ocupar a presidência em 2024. Atingindo diferentes nichos socioeconômicos, o candidato do Libertad Avanza, será decisivo para trazer a Argentina de volta à superfície ou afogá-la ainda mais na crise econômica.
