A jornalista conta sobre aspectos da sua vida e sua motivação para seguir na ativa aos 84 anos

Por Camila Terra

Priscila Siqueira no lançamento da 3º edição do seu livro “Genocídio dos Caiçaras” (Crédito: Nova Imprensa)

“A minha luta é por justiça social. Não acredito em uma sociedade amorosa se ela não tiver justiça”.

Priscila Siqueira: mulher, idosa e militante desde a sua juventude. Assim se define a jornalista e ativista pelos direitos humanos que hoje, aos 84 anos, com cinco filhos e oito netos, diz que o seu maior orgulho é perceber que seus descendentes também estão envolvidos com a questão social.

A idade não a impede de seguir lutando pelas causas que acredita e, inclusive, comparecer a atos políticos. Motivada pela crença em sua religião e pelo desejo de uma sociedade mais justa, o que a move é a luta por algo para todos: “eu tenho tudo que preciso, mas milhares não tem”, pronunciou-se em entrevista ao Jornal Contexto.

“Você luta pela utopia e, quando chega lá, ela está um pouco mais a frente. É a utopia que move a história”, parafraseia, em concordância, a fala de Eduardo Galeano.

A Religião

Advinda do Sul do Paraná, Priscila descende de uma família que sempre teve uma forte religiosidade. Aos 20 anos, fez parte da Juventude Universitária Católica (JUC), a qual lhe proporcionou uma experiência de vida que mudou seu olhar para certas questões.

“Não adianta dizer que ama um deus que não vê, como diz João Apóstolo, se você não tem empatia pelo sofrimento do irmão que está ao seu lado. Essa é uma religião hipócrita, alienada. Como um deus que você não vê, você diz que ama e o teu irmão que tem uma fagulha de Deus você não liga?”, questiona Priscila.

“Para mim essa questão de você ver em cada pessoa a figura do Cristo me dá muita força, porque eu não posso aceitar uma injustiça”, comenta acerca de uma das suas principais motivações.

Universidade

Formada na Universidade Nacional do Rio de Janeiro, quando a cidade carioca ainda era a capital do país, Priscila também fez parte da União Nacional dos Estudantes (UNE) em que lutavam por cultura e para que o ensino fosse para todos.

A jornalista destaca o cenário da época em que, segundo ela, de cem crianças que entravam na escola, apenas duas chegavam à universidade. Essa realidade gerou a consciência do privilégio tido por ela e pelos demais estudantes e a criação de uma obrigação moral de devolver para a sociedade o que lhe foi dado.

“Eu estudei por conta da empregada doméstica, do gari… de todos que pagavam um imposto para manter uma universidade para mim, que tinha excluído 98 pessoas, estudar”, coloca a ativista.

Com esse pensamento, os recém-formados criaram grupos e mudaram-se para cidades em que faltavam profissionais. No seu caso, ela junto com o marido, graduado em odontologia, foram para Lucélia, município no interior de São Paulo.

Crédito: Jornal Santuário

Jornalismo

Na sua carreira profissional, Priscila trabalhou em grandes veículos como Folha de São Paulo e Estadão, em que atuou como correspondente da região litoral, cobrindo da divisa de Santos até o Rio de Janeiro.

“Você precisa aproveitar as oportunidades, eu estava em um grande veículo então me utilizei dele para defender os guaranis”, relata Priscila que descreve as diferenças da época em que, sem internet, havia menos espaço para o chamado jornalismo alternativo de hoje, por isso era necessário encontrar estratégias para levar a tona, nas grandes mídias, assuntos como a defesa dos povos tradicionais.

No período da ditadura, a jornalista cobriu os conflitos de terra e o extermínio da população tradicional do litoral, os caiçaras. Algumas de suas matérias, que o Estadão não quis publicar, deram origem ao livro ‘Genocído dos Caiçaras’, uma tentativa da ativista de unir esse povo e mostrar que os problemas não eram individuais mas coletivos e que, para combatê-los, seria necessária uma organização.

Uma das primeiras a noticiar a luta de Trindade, inicialmente na Folha de São Paulo e depois no Estadão, ela revela que era jurada de morte e que os caiçaras a acompanhavam a partir de um certo ponto, porém declara “nunca tive medo”.

“Quando fui mandada embora do Estadão, Rodrigo Mesquita me disse que era porque eu ‘gostava muito de pobre’. Fiquei até orgulhosa quando ouvi isso, porque não foi por incompetência que eu saí, todos diziam que meu texto era muito bom”, relembra em tom descontraído.

Causa ambiental

Uma das fundadoras da SOS Mata Atlântica, organização não-governamental criada em 1986, Priscila conta que começou a se envolver com essa causa para, através dela, levar o caiçara às grandes mídias e tratar da expulsão do povo tradicional.

“É um processo dialético, você vai se inteirando, conhecendo pessoas do Instituto Florestal e com isso você percebe a importância do meio ambiente. Na minha época eu estudava que os recursos eram renováveis”, recapitula a jornalista.

Porém, ela revela que, para essa luta ser verdadeira, é necessário entender que o que acontece é fruto de um processo socioeconômico. Ao citar Darcy Ribeiro e seu livro “Processo Civilizatório”, Priscila aponta que atualmente o processo de civilização é baseado no lucro e não na pessoa humana.

“Veja bem,  a luta ambiental que não tenha por trás dela a questão da divisão de riquezas ou luta de classes, é jardinagem!”, enfatiza a ativista.

Discurso de Priscila sobre tráfico de pessoas em ato no litoral de São Paulo
(Crédito: Camila Terra)

Tráfico de Pessoas

Militante na luta contra o tráfico de pessoas, fez parte do  Comitê Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do estado de São Paulo. Ainda hoje, segue na luta por esta causa e, atualmente, briga por uma política pública de combate.

“Eu acredito que, como diz a ONU, é o pior desrespeito ao ser humano pois você deixa a sua qualidade ontológica de ser humano para ser mercadoria. Você se torna uma peça, como se dizia na época da escravidão”, comenta sobre o crime.

No ano de 1996, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a indiciou para um congresso em Estocolmo, na Suécia, sobre exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. No evento transmitiram um vídeo que quase a fez desistir, até que, ao acordar na manhã seguinte, percebeu que não tinha o direito de ir embora, precisava ficar.

“É duro, não só por conta do trabalho físico, mas sim porque mexe muito com o nosso emocional. Quando eu falo disso lembro  do rosto daquela vítima”, diz sobre a dificuldade em lidar com um tema tão sensível.

“Mas vem cá, se alguém não fizer a coisa dura, quem vai?”, finaliza Priscila Siqueira.

@jornal.contexto

O Tráfico de Pessoas movimenta 150 bilhões de dólares anualmente em todo mundo! Esse crime reduz o ser humano a uma mercadoria e segue sem legislação adequada de combate. Quem fala sobre o assunto é Priscila Siqueira, jornalista e militante pelos direitos humanos que continua na ativa aos 84 anos. Leia as matérias completas no site contextojornalismo.com

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