Revolta, que se tornou um marco para a comunidade LGBTQIAPN+, completa 54 anos em 2023

Bernardo Corvino

Sylvia Rivera (Reprodução / Wikimedia Commons)

Durante a década de 1960, a maioria dos estabelecimentos da cidade de Nova Iorque não aceitavam clientes da comunidade queer (LGBTQIAPN+). Os poucos bares que permitiam a presença desse público eram aqueles controlados pela máfia. Era comum que esses lugares fossem alvos de ataques da polícia, drag queens, mulheres trans e lésbicas que não performam feminilidade eram presas por indecência pública. Foi isso que aconteceu na madrugada do dia 28 de junho de 1969, quando oficiais da cidade invadiram o Stonewall Inn, bar onde se reunia grande parte da comunidade.

Naquela noite, houve luta contra os policiais. Aqueles que não foram presos se reuniram na praça em frente ao bar e também se rebelaram contra as ações violentas. A revolta continuou durante cinco dias e muitos dizem que esse fato deu início à luta pelos direitos da comunidade queer. Um ano depois, a primeira parada LGBTQIAPN+ aconteceu na cidade de Nova Iorque. Até hoje, a polícia é banida do evento e o bar onde começou a revolta é uma atração turística muito popular na cidade.

Rey Reséndez, pessoa não-binária, ativista e gerente de programa na Trans New York – ONG, explica o por que deste protesto ter se mantido tão importante : “Ele manteve a significância histórica até hoje, quando o mundo todo tem marchas do orgulho LGBTQIAPN+ para mostrar solidariedade e aceitação na face da adversidade, e para ser um lembrete anual de que estamos aqui para ficar”, destaca.

Júlio Ferro, homem gay e cis, historiador e mestrando pela Universidade Federal do Pará (UFPA), acrescenta que, hoje, a revolta representa um marco para explicar às novas gerações as lutas, e também os episódios de repressão enfrentados  pelo movimento. Ele também destaca, por outro lado, os problemas com a construção desta memória.  “Acredito ser importante apontar as limitações em torno do evento, como a tentativa de apagamento de pessoas trans, mesmo que elas estivessem desde o início combatendo frente a frente”, ressalta. “Embora passe uma ideia de união, era muito comum o apagamento por parte da comunidade gay cis que viam pessoas trans ou “travestites” como um desserviço para a luta, sendo que pessoas trans foram as que resistiram, por não ter a capacidade de se misturar na multidão na época, como os gays masculinos queriam”,  completa o historiador.

Ele também conta que não há informações precisas sobre quem iniciou a revolta, apesar de muitos dizerem que Marsha P. Johnson foi a primeira a jogar um tijolo em um policial. “Ninguém em especial começou a revolta, mas Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera foram elementos-chave no movimento”, afirma Reséndez, ao reforçar a mesma tese. Tanto Johnson quanto Rivera eram mulheres trans e drags. Nenhuma das duas eram brancas, Marsha era uma mulher preta e Sylvia era filha de imigrantes, seu pai era cubano e sua mãe, venezuelana.

Marsha P. Johnson (Reprodução / Wikimedia Commons)

  Segundo Ferro, a revolta de Stonewall serviu como meio de exposição da causa para o resto do mundo. Reséndez reforça que o movimento trouxe bastante conhecimento a favor dos direitos LGBTQIAPN+, mas que não foi o início de tudo. “Pessoas trans têm existido por muito mais tempo, possivelmente até antes da criação da linguagem escrita. Também teve grandes passos feitos no passado no Instituto da Sexologia, liderado por Magnus Hirschfeld, que fez cirurgias e gravou histórias de pessoas trans no ano de 1930, em Tiergarten, Alemanha”, conta o ativista. 

Apesar desse grande marco da história LGBTQIAPN+ ter acontecido nos Estados Unidos, Ferro realça a importância desta luta não cair em moldes de identidade norte-americana.  “Cada comunidade de determinada região tem a capacidade de criar maneiras plurais de se validar”, declara o historiador. “Nós sempre estivemos aqui, nós não somos novos”, finaliza Reséndez.

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