Por Giovanna Novaes
Idealizadora de espaço circense em Bauru, Tatiana Santiago fala sobre a importância de políticas públicas para o fomento e democratização do acesso a projetos culturais
Criada em 2014, a Casa do Circo é uma iniciativa cultural independente, que oferece aulas de modalidades circenses para crianças, jovens e adultos em Bauru. Entre as práticas ensinadas estão malabarismos, monociclo, acrobacias de solo, pernas de pau e aparelhos aéreos. O projeto foi idealizado por Tatiana Santiago, formada em artes visuais pela Unesp-Bauru (Universidade Estadual Paulista) e professora no ensino do circo há mais de dez anos. O espaço promove e recebe ações culturais na cidade, como o Festival Cirkorama que, em sua última edição, foi responsável por dar visibilidade a diversos artistas locais, além de aproximar a população e demonstrar de forma lúdica e prazerosa o que é a arte circense.
Em entrevista à revista À Margem, Tatiana destaca o apoio que a arte local consegue através de projetos e editais disponibilizados pela Secretaria de Cultura.
Como surgiu a ideia de abrir um espaço para a aprendizagem de artes circenses? Houve influência de algum projeto já existente?
Houve influência. Eu sou da ginástica rítmica, e comecei a fazer circo em Corumbá (MS), numa escola de circo de lá. Eu fiz dois anos de circo, e, quando voltei, eu não tinha um lugar pra treinar, não tinha nada especializado nisso, então eu treinava em academias de ginástica ou escolas de dança. Minha grande vontade sempre foi ter um espaço especializado. A minha referência foi a escola que estudei, lá em Corumbá, que era um espaço de cultura, e meu grande desejo sempre foi ter um espaço apropriado para isso. Nos outros lugares, eu sempre tinha que colocar e tirar o tecido, sempre foi um espaço adaptado, nunca pronto para isso, pensado para isso. Esse era o meu grande desejo, que o circo pudesse ter o local dele mesmo, pensado para ele.
Existe alguma coisa em comum nas pessoas que procuram as aulas?
Cem por cento não, mas o que eu sinto é que as pessoas que procuram as aulas querem praticar uma atividade física, mas não gostam da academia. Elas gostam de sentir o corpo em movimento, ter uma liberdade e uma expressão artística individual. Cada uma, no mesmo movimento, consegue colocar sua característica. E a evolução disso é diferente da academia, elas não têm repetição de movimento. A gente treina os mesmos movimentos, mas é diferente da academia, não é localizado. Eu sinto que as pessoas buscam uma atividade que tem movimentação de corpo, mas uma movimentação de corpo expressiva, uma expressão artística.
“Esse era o meu grande desejo, que o circo pudesse ter o local dele mesmo, pensado para ele.”
Além do circo, outras linguagens artísticas são exploradas no local?
Sim. A gente tem parceria com uma escola de teatro, então a gente recebe um festival, o Festinbau. A casa do circo é um dos locais em que acontecem as apresentações. E aqui também tem aula de Aikido, que é uma arte marcial, e a gente recebe um professor que dá aula pra criança
Existem outros projetos parecidos em Bauru?
Não. A gente tem aqui em Bauru aulas de aparelhos aéreos, mas a Casa do Circo é o único espaço especializado em circo.
Em março, aconteceu a primeira edição do festival Cirkorama. Durante três dias, diferentes linguagens artísticas foram expressadas através de apresentações e workshops, de forma gratuita. Como esse festival nasceu?
O Cirkorama já acontece há muito tempo, desde 2015, mas sempre foi uma noite de apresentações de artistas, convidados, alunos da Casa do Circo, e de professores também. A gente foi contemplado pelo edital da Secretaria de Cultura de apoio a festivais na cidade, recebemos a verba e pudemos executar o Cirkoroma com três dias de festival, receber um número maior de pessoas participando, atingir um público maior e também conseguir um número maior de artistas que se apresentassem. Mais artistas foram contemplados, mais pessoas puderam ter contato com a arte circense, de diferentes faixas etárias.
Qual a importância desse tipo de evento para a população que, muitas vezes, está tendo seu primeiro contato mais próximo com a arte circense?
Uma das coisas que eu busquei no Cirkorama foi fazer ações em diferentes lugares e a ocupação de espaços públicos. Um dos dias, o domingo, foi praticamente todo na rua, a gente teve ação na praça Copaíba e no Vitória Régia. E era de realmente levar o circo para quem não vem ao circo, e isso é importante porque, mesmo a gente fazendo divulgação e estando há quase dez anos aqui em Bauru, muita gente não sabe da existência da Casa do Circo e não sabe do benefício que as artes circenses proporcionam para as pessoas, tanto para crianças e adultos. Através desse primeiro contato, que foi todo gratuito, as pessoas puderam participar de tudo, e começaram a entender um pouquinho o que é o circo, quais são as atividades e as habilidades desenvolvidas. As pessoas têm aquele estereótipo, um preconceito mesmo do circo de lona, que é uma característica que vem se ressignificando, encontrando novos espaços, novos adeptos e está se reencontrando de maneira diferente na sociedade.
“[…] Podemos ajudar cobrando políticas públicas e que os projetos culturais sejam descentralizados, que eles sejam levados para bairros.”
De que maneira eventos como esse ajudam na visibilidade e inserção de artistas locais na cena cultural bauruense?
A noite de sexta-feira foi um chamamento aberto, a gente abriu um edital para as pessoas que quiseram se apresentar, e depois a gente fez uma seleção de números que condiziam mais com o Cirkorama. São poucos os eventos e os espaços para os artistas. Todos, não só os que estão começando agora, mas os que já trabalham faz tempo em Bauru. São poucos os eventos que existem para apresentações, com esse formato cultural. A gente encontra lugares para trabalhar: aniversários, recepções de festas, eventos corporativos, mas é diferente desse formato cultural, onde existe um encontro de artistas e pessoas com o público para realmente assistir a essas ações culturais. São momentos muito importantes, de uma educação cultural para Baur. De você parar, de você trazer o seu filho, de você vir, sair de casa e realmente assistir ao números. Não só de circo. Aqui em Bauru a gente tem o Festinbau, tem o FACE (Festival de Artes Cênicas de Bauru), que são festivais de teatro, eventos muito importantes para existência de todos esses artistas e evidenciar a cultura bauruense. Não é fácil proporcionar esses momentos, tanto para artistas quanto para o público.
O festival recebeu apoio da Secretaria de Cultura de Bauru e do Sesc, que, inclusive, sediou um dos workshops. Como foi o processo para conseguir o apoio dessas instituições?
A Secretaria de Cultura foi através de um edital, então a gente escreveu um processo, passou por uma seleção de projetos e foi contemplado. O Sesc foi um apoio, a gente não recebeu verba, foi um apoio de espaço, a gente só levou as ações para o Sesc, que foi parceiro cedendo espaço pra gente realizar aquelas atividades. Pelo número de pessoas, aqui na casa do circo não teria como fazer três ações ao mesmo tempo. O ginásio do Sesc estava cheio, então foi bem legal, para a gente conseguir receber um número maior de pessoas, com qualidade.
“Tem muita gente fazendo cultura em Bauru. Todo mundo precisa de apoio.”
De que formas podemos ajudar e incentivar a democratização da cultura na cidade?
Acho que podemos ajudar cobrando políticas públicas e que os projetos culturais sejam descentralizados, que eles sejam levados para bairros. Existem muitos projetos em Bauru, tem muita aula no teatro municipal, têm muitos projetos sociais, mas a grande maioria acontece sempre no mesmo lugar. Acho que a gente tem que, primeiro, brigar por políticas públicas, que tenham mais aulas gratuitas acontecendo, mais investimento público nisso, mais editais, porque tem muita gente fazendo cultura em Bauru. Todo mundo precisa de apoio. É bem complicado A verba que fica para cultura é muito pouca aqui em Bauru, e grande parte já é diretamente destinada ao carnaval. Então o que fica para ações de projetos e editais é pouco, se for ver pelo o que a gente tem da população de Bauru e de artistas que trabalham, e levar isso para bairros, conseguir que essas ações aconteçam na cidade de Bauru em lugares que realmente têm necessidade, que tem carência, tanto para as criança, quanto para outras faixas etárias.
