Lançado em 2022, o livro “Estou Feliz que Minha Mãe Morreu” expõe a perspectiva negativa do trabalho artístico infantil
Por Isadora Sousa
Popularmente conhecida por estrelar o seriado de sucesso da Nickelodeon “iCarly” e seu spin-off “Sam & Cat”, em 2016 Jennette McCurdy abandonou a carreira de atriz e iniciou uma carreira como roteirista e diretora.
Lançado em 15 de novembro de 2022, seu livro de memórias “Estou Feliz que Minha Mãe Morreu” surpreendeu uma gama de fãs. A obra relata as lutas de Jennette como ex-atriz infantil diante uma série de abusos físicos e emocionais cometidos por sua mãe, que gerenciava sua carreira.
Ariel Winter é conhecida por dar vida a Alex Dunphy, uma das protagonistas do sitcom de sucesso “Modern Family”, lançado em 2009 e finalizado em 2020, na décima primeira temporada. O que é pouco conhecido pelos fãs do seriado, é a relação de abusos sofridos por Ariel por sua mãe durante sua infância. Em 2012 a atriz foi colocada sob custódia de sua irmã mais velha, após sua mãe ser oficialmente denunciada por abuso físico e emocional.
No Brasil, recentemente a jovem atriz Larissa Manoela veio a público por meio de uma entrevista no “Fantástico” expor uma situação parecida. No caso de Larissa, exploração financeira. Seus pais geriam seu patrimônio e a atriz, após romper vínculos, abriu mão de 18 milhões de reais.
Esses e diversos outros casos conhecidos, como dos também atores Drew Barrymore e Macaulay Culkin trazem visibilidade a um assunto conhecido pela mídia e por órgãos legais, mas ainda assim não discutido, o abuso familiar dentro do trabalho artístico infantil.
É comum a visão de que artistas mirins estão na verdade desenvolvendo talentos, se divertindo, em um ambiente lúdico e que na verdade, é quase como uma brincadeira remunerada.
Para Sandra Regina Cavalcante, graduada em direito pela USP, especializada em direito e processo do trabalho e autora do livro “Trabalho infantil artístico: do deslumbramento à ilegalidade” esse é um dos vários pontos a se considerar no porque ainda que haja casos de abuso conhecidos, as coisas não mudam.
O fato de um evento traumático ocorrer em uma circunstância que não é considerada trabalho, torna mais difícil enxergar a amplitude do trauma, e o padrão de relações familiares abusivas nesse meio.
“Parte dos especialistas em proteção de criança e adolescente entende que não se deve autorizar o trabalho artístico infantil, porque é trabalho, porque vai ser um ambiente adulto. A criança vai ser submetida a estresse e a cobranças que põe em risco aquela infância. Então se quiser fazer essa atividade faça em escolas, num ambiente amador, mas não profissionalmente”, diz Sandra.
Já a professora assistente doutora do Departamento de Psicologia da UNESP-Bauru e especialista em psicologia da família e mediação de conflitos, Marianne Ramos Feijó, argumenta que a experiência pode ser positiva, contanto que haja limites.
“Há crianças que trabalham no ramo artístico e se desenvolvem, a expressão do talento, a confiança. Isso não é negativo mas há limites, não pode ser excessivo e passar na frente dos estudos e outros meios de desenvolvimento”.
As ex atrizes infantis, Ariel e Jennette, passaram por traumas semelhantes, em alguns aspectos. Ambas iniciaram carreira no ramo artístico por influência de suas mães, que nos dois casos, forçaram suas filhas a construir uma imagem sexualizada desde a infância. As duas também passaram por pressão estética e distúrbios alimentares.
“Tem risco de estresse, cai cabelo, é um ambiente adulto. Eu já vi camarim que não tinha um espaço específico para criança, era camarim dos homens e das mulheres. As mulheres ficavam nuas, inclusive as crianças, que tinham contato com uma vaidade excessiva, alusão a cirurgias estéticas e cobrança corporal. Não tem como isso ser positivo” Comenta Sandra, a respeito dos riscos de expor uma criança a questões e ambientes adultos.
Felizmente, as duas ex atrizes mirim, em suas vidas adultas, conseguiram tratar e lidar com os traumas adquiridos na infância. No caso dos atores Drew Barrymore e Macaulay Culkin, ambos enfrentaram em sua vida progressiva a consequências do vício em drogas.
“Sair de uma família sem fortalecer seus valores humanos, como a autonomia, gera um risco de reproduzir ou trocar uma situação ruim que você vive por uma outra, uma pessoa que foi tutelada, ou seja, teve suas decisões tomadas por outra pessoa corre o risco de entrar em outros relacionamentos semelhantes”, explica Marianne.
