Em um país que acumula mais de 65 mil pacientes na fila de espera para um transplante, decisão final depende dos familiares

Por Emanuelly Teixeira

“‘Temos pouco tempo para o tratamento, que começaria com hemodiálise, seguida de um transplante’. A partir daí, não registrei mais nada, pois a sensação é que abriu um buraco no chão, demorou para cair a ficha”. O relato é de Adriana Teles (46), que conta sobre o momento em que recebeu a notícia de que precisaria de um transplante renal para continuar vivendo.

O Brasil, que é o segundo maior transplantador de órgãos do mundo, soma aproximadamente 65 mil pessoas em 2023 na fila de espera para transplante, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde. Para ser um doador no país, mesmo que a pessoa expresse ser de sua vontade, a decisão final vem somente da família. Mas, qual será o motivo por trás de mais de 40% dos familiares negarem a doação, segundo o Ministério da Saúde?

Campanha do Ministério da Saúde incentivando a doação e a conversa com a família em 2022 (foto: reprodução).

O transplante de órgãos é cercado de tabus, levando alguns até a acreditarem que a fila é apenas ilusória e que tendo dinheiro é possível passar na frente. Para as famílias, especialmente, a desinformação torna o processo muito mais complicado. Um receio comum dos entes é que o transplante possa custar algo, o que não é verdade, já que o SUS arca com as despesas tanto dos doadores quanto daqueles que estão recebendo o transplante.

Por ver que a pessoa ainda tem batimentos cardíacos, pode surgir a esperança de que o indivíduo ainda esteja vivo e irá acordar. Isso se deve a morte encefálica, sendo uma dificuldade das famílias em compreender que o caso é irreversível.

Na opinião do médico Adegil Henrique Silva, responsável pela realização de transplantes cardíacos no Instituto de Cardiologia do Distrito Federal e no Hospital do Coração de Brasília, o óbito de um paciente ocorre depois de uma análise clínica que tem oito passos e ainda um exame complementar.

“Ele serve para detectar atividades do cérebro, seja por vascularização ou seja por atividade elétrica. E essa análise é feita por dois profissionais diferentes. Uma dessas análises tem que ser feita de forma obrigatória por um especialista em neurologia, neurocirurgia ou um intensivista, para poder garantir o processo”, informa Adegil Henrique Silva.

O especialista também aponta um detalhe importante: as equipes que realizam transplante de órgãos não são envolvidas na determinação de morte encefálica de nenhum paciente. Tudo isso para que haja ética nos procedimentos, deixando de lado um possível conflito de interesses.

Outro temor que aflige a família nesse momento é de que o corpo do ente querido possa ficar mutilado ou sofrer algum dano. Conforme a Associação Brasileira de Transplantes e Órgãos (ABTO), a Lei n° 9.434/1997 garante o dever da equipe de reconstituir o corpo para a familiar sepultar, sendo a única deformidade a cicatriz da retirada do órgão. Após isso, o velório e sepultamento podem ser feitos normalmente.

Setembro verde é o mês oficial sobre a conscientização da importância do “sim” para a doação de órgãos (foto: Freepik).

Para ser doador de órgãos, há duas possibilidades. A primeira é sendo um doador vivo, nesse caso é possível ceder um dos rins, parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões. Nesse tipo de doação, é necessário que aquele que doa seja parente de até quarto grau ou cônjuges da pessoa que vai receber o transplante. Caso não haja parentesco, é necessário uma autorização judicial para a doação acontecer.

Ser um doador falecido é outra opção. Para isso é necessário autorização da família e, por esse motivo, é recomendado expor ainda em vida para os familiares o seu desejo em ser doador. Nessa situação, órgãos como rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e intestino, além de tecidos, por exemplo: córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias podem salvar até oito vidas de acordo com o Ministério da Saúde.

“Decidi ser uma doadora de órgãos porque passei por uma experiência que me mostrou o quão valioso é o ato de doar vida. Quero ajudar outras pessoas da mesma forma que fui ajudada, proporcionando a elas uma segunda chance de vida”, revela Adriana Teles.

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