Realizado no final de junho, o Troféu Imprensa, campeonato de futebol organizado por estudantes de graduação do curso de Jornalismo da UNESP, contou com a participação de times mistos. A ocasião trouxe visibilidade para um assunto que frequentemente volta a ser alvo de discussões: a figura feminina no campo esportivo.
Por Carolina Bordin
O esporte se encontra, historicamente, ligado principalmente aos homens. Uma busca nas origens do mundo esportivo mostra que, desde a Grécia Antiga, onde se teve o surgimento das primeiras competições olímpicas, a participação feminina era considerada “descartável”. A aptidão física dos atletas masculinos era o foco, recebendo toda a admiração durante a realização dos eventos. Com isso, a inclusão de modalidades femininas era nula, panorama que foi sendo alterado lentamente com o passar do tempo, felizmente.
Hoje, mulheres têm conquistado cada vez mais seu espaço, desafiando estereótipos e provando que talento não tem gênero. Em ano de Copa do Mundo Feminina, se torna ainda mais inevitável trazer questões ligadas à equidade de gênero no esporte, seja com relação a investimentos, visibilidade, pagamentos e até mesmo o respeito da torcida. Talita Mutti, de 19 anos, jogadora do time de basquete da UNESP, acredita que o problema está justamente na pouca visibilidade dada.
“Nos dias de hoje, a figura feminina nesse mundo esportivo é presente. A gente tem muita participação, só que tem pouca visibilidade. Então, por exemplo, acho que é muito mais fácil atualmente uma mulher praticar o esporte. Existem diversos projetos que auxiliam mulheres a entrar nesse universo”, declara. “O problema é você ter visibilidade quando você começa realmente a trabalhar com isso. Tem esse outro lado, né? Que é as pessoas não consumirem, não darem a devida credibilidade”.
Talita em quadra (Reprodução / Arquivo pessoal)
Por outro lado, Isabella Sousa, de 20 anos, tem visão contrária acerca do olhar para essa área. A atual jogadora do FreeLança FC, time que marcou presença no Troféu Imprensa, inclusive cita que, provavelmente, o número de mulheres atuando no esporte tenha crescido. “Acho legal o que a gente tem agora nos, talvez, últimos 3, 5 anos, que é a midialização. Então quando você quer buscar uma referência, você tem mais acesso para pesquisar”. Ela ainda acrescenta: “muitos esportes que antes não eram tão acessíveis, estão sendo mais compartilhados. É questão também da evolução, assim, como sociedade de querer trazer um olhar maior”.
Um ponto que ainda está longe de ser solucionado reside na discrepância dos valores pagos em premiações nas competições masculinas e femininas, e também nos salários. Enquanto competições masculinas possuem patrocinadores que depositam valores exorbitantes no prêmio final e em seus pagamentos mensais, nas femininas a luta para conseguir uma quantia mínima ideal continua. Isabella argumenta que é algo que tem que ser muito trabalhado ainda.
“Isso com certeza desvaloriza, com certeza afasta. Se uma mulher tem o mesmo sonho de ser atleta que nem um homem, com certeza vai ser um fator pra ela que pode ser um empecilho. Parece que é até de propósito pra que mulheres não entrem nessa área. Então ainda tem muito que lutar por esse direito”. A jogadora pontua que “isso é um desânimo, é muito, muito chato”.
Isabella com o uniforme do FreeLança FC (Foto: João Victor Gomes)
A visão ultrapassada da presença de mulheres ainda persiste na postura de muitos, sobretudo em jogos informais, de rua. Com a prática de times mistos, como o ocorrido entre os estudantes da UNESP, atitudes como não passar a bola, ou até mesmo a total ignorância da presença feminina ali não são eventos raros. Talita relembra uma frustração que viveu recentemente ao entrar em um jogo de basquete ao lado de alguns homens:
“Se alguém joga com frequência em parques, sabe que ali não é uma competição. Então tá todo mundo tentando desestressar, se divertir, praticar um esporte. Nenhum deles era jogador profissional, pra te julgar se você era boa ou não jogando. E eu estava lá na hora, mas simplesmente era como se eu não estivesse”, comenta. “Não sou nenhuma atleta profissional hoje em dia. Eu só gosto de jogar basquete. Só que era visível, foi muito nítido, ninguém escondia mais esse papo de ah, você é menina, tá? Não vou passar pra você. Foi o que eu senti”.
A jogadora de futebol compartilha do mesmo sentimento. Ao relatar situações dentro de campo, Isabella aponta uma necessidade de ter que fazer um esforço maior para ser notada. “ Quando estou jogando em um time misto ou mesmo jogando com os meninos [do time], tenho que jogar sempre em uma qualidade superior pra estar minimamente sendo considerada, cogitada ali. Se pegar um homem mediano e uma mulher mediana, a consideração pelo homem mediano vai ser maior”.
Talita e Isabella com seus respectivos times (Reprodução / Arquivo pessoal)
O interesse pelo esporte feminino vem em uma crescente ainda mais forte nos últimos anos. Nomes influentes como o de Marta, Hortência e (agora, mais do que nunca) Bia Haddad surgem tendo uma grande parcela de responsabilidade no incentivo referente ao interesse na prática esportiva. Sempre dando declarações de encorajamento para quem as acompanha, elas se tornaram, e se tornam, inspiração para as novas gerações. Como resultado, vemos muitas meninas carregadas de ainda mais vontade de fazer a diferença e quebrar recordes.
“Acho que ter mulheres, assim, que inspiram outras mulheres, outras meninas, é super importante porque elas mostram as possibilidades de posições que a gente pode alcançar, que às vezes a gente nem conhece”, cita Talita. “Você olhar mulheres como elas te dá uma força extra pra tentar. Principalmente se você for realmente boa no que você tá fazendo. Influencia muito a história de meninas, em primeiro lugar. Porque isso vem da infância, você cresce com esse sonho. De querer se tornar atleta e muitas das vezes simplesmente cortam suas asinhas”.
Do mesmo modo, Isabella julga essencial termos jogadoras assim para chamar de nossas, ao dizer com orgulho que são pessoas que você pode olhar e falar que quer ser igual. Sousa ainda frisa que “isso é muito importante para que pequenas meninas possam olhar e falar: é isso que eu quero. Que elas possam ter a opção e que elas possam enxergar que aquilo é uma opção para elas. Para novas gerações, isso vai mostrar que você tem essa opção de ser grande, de ser um destaque, de ser referência. Eu acho maravilhoso”, conclui.
Ainda há muito que se fazer para chegar a uma igualdade real. “Hoje está melhor que ontem e amanhã pode estar melhor que hoje”, disse Talita. O que nos resta é continuar fazendo barulho, para que cada vez cheguemos mais perto de uma realidade mais justa. Nunca foi fácil, mas não se vê falta de disposição e otimismo. Seguimos.
