O Conselho Nacional de Justiça determinou o fechamento gradual dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, o que tem gerado preocupação entre os profissionais da área

Por Marcus Almeida

Em junho, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o fechamento gradual dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), essa decisão gerou preocupação entre os profissionais da área à medida que não se sabe qual será o destino desses pacientes. 

A resolução 487 do Conselho, publicada no dia 27 de fevereiro, estabeleceu que a extinção desses estabelecimentos fosse iniciada no mês passado e que continue, em etapas, até maio de 2024. Atualmente existem 32 unidades do tipo no Brasil, que também são conhecidas como manicômios judiciários ou hospitais de custódia, espaços que abrigam pessoas com transtornos mentais que por conta dessa condição são consideradas inimputáveis.

Conforme o CNJ, são aproximadamente 2 mil sentenciados com medida de segurança no país, isso são, pessoas que praticaram alguma conduta criminosa, mas não puderam cumprir pena. O que acontece por duas causas, quando a pessoa é sujeita a tratamento ambulatorial ou quando a pessoa é internada em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. 

Para esse último caso, o número de abrigados nos manicômios judiciários do país ultrapassa os 3 mil presos, isso porque além de sentenciados, alguns são detidos provisoriamente, enquanto os outros aguardam por uma avaliação clínica para verificar se podem ou não conviver em cárcere com outros presos.

O que acontece é que ainda não se sabe se o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) terá a capacidade para receber esses pacientes após o fechamento dos Hospitais de custódia. É o que profissionais da Saúde, do Direito e da Segurança Pública questionam.

Mas, para a psicóloga Caroline Cusinato esse sentimento que se apresenta como uma preocupação é, na verdade, uma defesa de tratamentos psiquiátricos que envolvem o isolamento, métodos de tortura e a segregação dos pacientes com o restante da sociedade. “As entidades que vão se colocando contrárias às resoluções do Conselho Nacional de Justiça, trazem consigo o discurso que parece uma preocupação, mas que por traz desejam a manutenção de uma forma de tratamento, muito parecida, senão igual a dos manicômios”, afirmou.

Para a psicóloga, a preocupação deve ser outra, a de se investir no sistema de saúde pública para que, com a abertura de novos leitos e a capacitação de mais profissionais, ele consiga atender efetivamente a demanda de pacientes dos hospitais de custódia.

O SUS desde 1988, quando foi criado, avançou historicamente com medidas como a descentralização e a municipalização de ações e serviços, que tiveram o propósito de aproximar as questões da saúde com a realidade da população. Além de impulsionar ao longo do tempo discussões sobre a saúde psíquica e mental da população.

O fim dos manicômios está previsto a mais de 20 anos desde a aprovação da Lei Antimanicomial (Lei n. 10.216/2001) e apesar dos avanços no campo das políticas públicas de saúde, conquistados a partir de uma série de movimentos da luta pela reforma psiquiátrica, há uma persistência na manutenção de práticas que vão de contramão a defesa da dignidade, da autonomia e liberdade humana.

Os avanços e marcos históricos da Luta antimanicomial, de 1987 a 2023, baseados nas informações do “II Congresso de Trabalhadores em Saúde Mental, de dezembro de 1987; Resolução n°238, de 6 de abril de 2001; Decreto n°3.088, de dez. de 2011; Conselho Nacional de Justiça. Resolução n°238, de 06 de set. de 2016; e do Conselho Nacional de Justiça. Resolução n°238, de 15 de fev. de 2023. ” (Produzido por Marcus Almeida)

Pelo fechamento dos Manicômios

Em 1836, a Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, a AIMRJ, criou o primeiro manicômio no Brasil, com o intuito de retirar as pessoas marginalizadas, tidas como loucas, do convívio social.

Anos depois, em 1841, foi fundado o primeiro manicômio da Corte, no Rio de Janeiro, com o pressuposto de acolher os pobres a partir da distribuição de alimentos, roupas e fornecendo moradia. Mas, apesar de oferecer visitas médicas esporádicas, o manicômio não comportava qualquer prática psiquiátrica. O que aconteceu somente em 1884, quando foi incluída a especialidade de Psiquiatria nas Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro.

Por volta de 1930, no governo de Getúlio Vargas, as formas de controle social resultaram na segregação e na eugenia. Isso porque, os manicômios da época foram o destino de opositores e de pessoas que ameaçavam o governo. A assinatura do Decreto n°24.559 por Vargas, em 1934, aumentou o número de pacientes nos hospitais psiquiátricos, pois previa a internação a partir da apresentação de um atestado médico.

Contrapondo a lógica psiquiátrica que vinha se criando desde a criação do primeiro hospital psiquiátrico até o Estado Novo, de Getúlio Vargas, a palavra de ordem “Fechar os manicômios” ecoou nas manifestações que aconteceram pelo país, na década de 70. Essas manifestações ganharam força com a publicação do Manifesto de Bauru, em 1987.

Redigida no II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, a Carta de Bauru foi o documento que fundou o movimento antimanicomial brasileiro e marcou a aliança entre os profissionais da saúde e a sociedade civil no enfrentamento aos manicômios e as suas formas de tratamento. 

Publicada em dezembro de 1987 na cidade de Bauru, a Carta produzida pelos integrantes do II Congresso de Trabalhadores em Saúde Mental, também denunciou a mercantilização da doença. (Fonte: reprodução da carta de Bauru retirada de https://redeagrega.files.wordpress.com/2012/12/carta-de-bauru.pdf).

A Carta de Bauru não só expressou o posicionamento dos trabalhadores da saúde mental contrários ao sistema tradicional de tratamento psiquiátrico, mas também, o repúdio a todas as formas de violência. “É interessante pensar a Carta de Bauru não só como uma ruptura com um modelo de tratamento, mas com todo um paradigma e uma cultura que é violenta e excludente’’, disse Caroline, 

A psicóloga complementou ao dizer que a Carta propôs também o rompimento com todas as formas de violência, que envolvem a diversidade humana, incluindo as crianças, os adolescentes, a população indígena e as pessoas LGBTQPIA+.

Impulsionados com a publicação do Manifesto Antimanicomial de Bauru as manifestações de integrantes do movimento acarretaram na aprovação da Lei Federal 10.216, em abril de 2001, que dispõe sobre a reformulação do modelo tradicional de tratamento psiquiátrico, a partir do fechamento gradual dos manicômios, e que regulamenta as instituições de psiquiatria para que deixem de seguir o modelo manicomial.

O que não significou uma desassistência às pessoas com transtornos mentais, mas sim, a construção de novos serviços que vão substituir os manicômios. A alternativa proposta após a implementação da Lei Antimanicomial, as Redes de Atenção Psicossociais, o RAPS, foram a alternativa encontrada para atender a demanda de pacientes.

Segundo a psicóloga, a preocupação também deve ser o subfinanciamento da saúde pública e, consequentemente, da Rede de Atenção Psicossocial, além do crescimento das comunidades terapêuticas, que para ela oferecem riscos à reforma psiquiátrica. “É necessário estarmos alertas para o desenvolvimento e os investimentos em comunidades terapêuticas, que têm práticas muito parecidas com os hospitais psiquiátricos e que não estão amparadas na proposta de uma reforma psiquiátrica”, sinaliza. 

Caroline acrescenta ao dizer que sua preocupação é em fortalecer o RAPs para que assim ele dê conta da demanda de pacientes. Também, se mostrou esperançosa com relação ao avanços que o fechamento dos manicômios podem trazer para os usuários da saúde mental, principalmente, e para os familiares dos pacientes. De modo que a decisão do Conselho Nacional de Justiça possa,  a partir de tratamentos adequados, promover a reintegração dos pacientes na sociedade.

A pedido da entrevistada, divulga-se: Caroline Cusinato, CRP 06/112011.

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