Mesmo em espaços acadêmicos, como a universidade, a comunidade LGBTQIAP+ ainda possui obstáculos a serem combatidos e direitos a serem conquistados.
Por Guilherme Leal
O dia 28 de Junho é conhecido por ser o dia internacional do orgulho LGBTQIAP+ – nesta data, inúmeros indivíduos que se identificam e vivem a vida queer comemoram a sua existência, além de reconhecerem o caminho pelo qual estão percorrendo: árduo, perigoso, mas satisfatório e único a partir do momento em que se aceitam.
A partir disso, percebe-se que a trajetória da comunidade LGBTQIAP+ não se limita à vida pessoal, uma vez que nos espaços acadêmicos – como a universidade – esse grupo ainda possui obstáculos a serem combatidos e direitos a serem conquistados.

A presença de pessoas LGBTQIAP+ em cargos de liderança, como é do caso de Osvando, coordenador do curso de Jornalismo, é de suma importância (foto: arquivo pessoal)
Para Osvando José de Morais, professor e coordenador do curso de Jornalismo da UNESP, a vivência das pessoas da comunidade no meio universitário é uma faca de dois gumes. “Com os alunos, me sinto bem tranquilo. As pessoas de hoje ocupam vários espaços que foram abertos pela minha geração”.
Mas, ele explica que, fora da sala de aula, a situação é outra. “No ambiente acadêmico, as pessoas dissimulam. Apesar de não sermos poucos, sempre vamos sofrer homofobia. O preconceito, agora, é velado, feito de uma forma dissimulada”. Nessa questão, ele ainda vai mais a fundo: “quando você faz alguma coisa de errado, você faz por ser gay. Para os heterossexuais, nós somos a nossa orientação antes mesmo de sermos seres humanos”.
A universidade pública é um direito de todos que a frequentam, e isso, de certa forma, se aplica aos diferentes grupos presentes nesses lugares. “A gente constrói a universidade, ela é um direito nosso. Então, é importante que a gente exija o direito de ser respeitado. Pagamos impostos – que são a base da manutenção desse espaço – por isso ela é nossa”, comenta Osvando.
No entanto, infelizmente, não são todos que pensam dessa forma. “Mais ou menos há três anos, alguns professores, quando viam dois alunos se beijando, achavam um absurdo e externalizavam esse preconceito. Já chegaram até mim e disseram que a faculdade não era lugar para isso”, finaliza o coordenador em um relato.
De certa forma, há um paralelo interessante a ser traçado com o relato do professor: em 2020, o Brasil estava sob o mandato de Jair Bolsonaro – ex-presidente, abertamente homofóbico. Tal gestão, implicitamente, abria margem para que as pessoas pudessem ser abertamente preconceituosas, o que, no governo atual, não acontece, visto que, no dia 28 de junho, as cores da bandeira LGBTQIAP+ se espalharam pelas projeções do Palácio do Planalto e no Itamaraty, algo que aconteceu pela primeira vez na história do país.
Nesse sentido, álias, Osvando relembra o histórico discriminatório de Bolsonaro com a comunidade. “Ele tem ódio de nós, uma vez disse que preferia um filho morto a um filho gay. Para mim, não faz sentido a admiração desse grupo por ele”.
“Eu vejo, com muito orgulho, a presença de um número alto de LGBTQIAP+ em sala de aula. Isso se aplica também à presença de alunos pretos na universidade, espera-se que um dia se tenha pelo menos 50% de pessoas não brancas presentes no ambiente de estudo”, afirma Osvando. Entretanto, quando se fala sobre a pesquisa acadêmica – almejada por muitos alunos – a orientação sexual é um empecilho. “Geralmente, são homens brancos que avaliam e peneiram os alunos que eles irão orientar. E, nesse caso, a vida pessoal do estudante é um dos critérios a ser analisado”.
Quando perguntado sobre ser um homem gay no interior paulista, Osvando reforça a forma como a sociedade reage à heterossexualidade e à vivência do povo queer. “Eu e meu companheiro compramos uma chácara justamente para ficarmos escondidos. Quando você sai, por ter mais de 30 anos e estar solteiro, os héteros presumem que você é queer. Nós trabalhávamos, íamos pra casa e cuidávamos dos bichos”.
Com uma frase, o professor resume a sua experiência enquanto LGBT+. “A minha geração foi extremamente reprimida, assumíamos coisas da cultura hétero, para nos adaptarmos. O casamento hétero é uma instituição falida, então por que nos afeiçoarmos nisso?”, finaliza.

Para Luisa, estudante do curso de jornalismo, na UNESP permite a expressão da vivência queer ao longo da graduação da estudante (foto: arquivo pessoal)
Saindo da perspectiva do professor e indo para a visão do estudante LGBTQIAP+ na universidade pública, Luisa Eduarda, aluna do terceiro ano do curso de Jornalismo da UNESP, fala sobre o seu ponto de vista acerca da trajetória do jovem queer. “Desde que vim pra cá, eu era assumida. Mas, quando você chega na universidade, a abertura que você tem para ser LGBT+ é outra. A possibilidade de ser, sem medo, quem você quiser ser é maior”.
“Eu nunca me senti desrespeitada por ser lésbica na UNESP, mesmo que a cidade seja um lugar bem conservador. É preciso ter cuidado em alguns lugares, mas eu nunca me senti atacada direta e indiretamente em Bauru e na faculdade”. Mas, por ser tratar de um ambiente pouco amigável para o povo queer, Luisa fala sobre o seu privilégio. “Eu, enquanto uma mulher lésbica que performa feminilidade, estou em um lugar seguro. Outras pessoas, que performam a sua sexualidade de formas diferentes, com certeza devem sofrer discriminação de forma mais explícita”.
Ela reconhece que “Bauru é uma cidade conservadora, a maioria votou no Bolsonaro nas últimas eleições, além da prefeita ser abertamente conservadora, então eu imagino que muita gente deva ter sofrido ataques”.
Embora não tenha sido alvo de LGBTfobia na faculdade, Luisa reconhece que a faculdade não possui políticas realmente efetivas para a inserção de pessoas da comunidade. “Por estarmos em uma instituição pública, a UNESP e as pessoas que convivem nos arredores veem tudo de uma forma desconstruída, como se todas as pessoas soubessem de todos os assuntos relacionados a essa questão. Mas isso não dá segurança, na verdade, apenas deixa mais abertura para que preconceitos ocorram”.
Luisa pondera que, nos três anos que está aqui, nunca viu cursos, palestras, ensinamentos voltados para o público LGBT no câmpus de Bauru. Para ela, a falta de mobilização é também um impasse. “Onde estão os coletivos? Onde estão as pessoas que se identificam com as siglas pertencentes à comunidade? É muito importante, já que a luta se faz presente em todos os lugares. Estamos em um lugar que irá nos levar, no futuro, a postos de liderança. Então, se não estamos aqui agora juntos e lutando para reafirmar a nossa identidade, do que adianta?”.
A importância de se ter muitos membros da comunidade na universidade é muito necessária, dado que esse espaço – que deve ser cuidado, não só para essa causa, mas também para outras – será ocupado por eles durante a sua graduação.
“A universidade é um lugar de construção política, social e científica, além de ser um lugar de ascensão social. Então, você levar essas pessoas, que são excluídas, de possível ascensão social é muito necessário”. A estudante ainda afirma que outras siglas – as que são mais marginalizadas – sequer chegam ao mundo universitário. “Travestis, transsexuais e não binários não possuem políticas que facilitam o seu acesso à universidade. A UNESP não tem algo que mantenha essas pessoas na faculdade”.
Após os relatos de Osvando e Luisa, fica claro que a vida daqueles que se identificam com qualquer uma das siglas da comunidade LGBTQIAP+ não é, de modo algum, fácil e pacífica. O povo queer, ao ser inserido na sociedade, desde o seu nascimento, é colocado em teste durante a sua vida inteira, o que dificulta o seu caminho. A trajetória pela qual todos passarão é a mesma, mas os recursos que são dados a esse grupo são outros.
Na verdade, muitas vezes, ao menos há a distribuição deles, tornando a sua vivência muito mais dolorosa e complicada. Porém, como vemos dentro e fora das telas, os LGBT+ sempre tentaram – e alguns conseguiram – fazer com que a sua voz fosse mais alta que a demanda exigida pela sua sexualidade. A fim de ter um lugar ao sol, os que veem o mundo pelas lentes do arco-íris reivindicam respeito e não mais aceitarão viver na obscuridade que os cercam.

Que artigo incrível e necessário!
Parabéns Guilherme Leal!!!
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