Saiba como a seletividade da mídia realça o que é importante e porque algumas notícias tem mais evidência que outras

Por Isadora Lombardi
O caso do submarino Titan, da empresa norte-americana, Ocean Gate, vem atraindo muita atenção nas últimas semanas, mas não é a primeira vez que a excentricidade de milionários cobre com uma cortina de fumaça crises humanitárias. No dia 14 de junho, um barco com 750 refugiados naufragou ao sul da Grécia, se tornando um dos piores acidentes dos mares gregos. Mesmo noticiado antes do desaparecimento do submarino, o acidente teve pouco reconhecimento da imprensa, refletindo não só a prioridade das mídias, mas também o interesse do seu público.
A crise dos refugiados não é uma novidade para o meio social. Todo ano, milhares de pessoas morrem tentando buscar por melhores condições de vida. Então, pela sua frequência, esse evento é normalizado: essas pessoas viram estatísticas, suas histórias são esquecidas e perduram para sempre no fundo do mar.
“Conheça Hamish Harding, bilionário a bordo do submarino desaparecido em passeio ao Titanic”. Essa notícia estampou a capa dos grandes veículos de comunicação, na semana do acidente. Conhecer a vida de cinco milionários se tornou muito mais relevante do que saber o nome de qualquer um dos refugiados, e isso ocorre por um motivo bem simples: a sociedade aprendeu a valorizar as pessoas de acordo com o seu patrimônio.
Gabrielle Gonçalves Santos, repórter no portal iG, enfatiza o peso da influência do poder econômico das vítimas e da própria discriminação na Europa.

“A gente está falando de cinco bilionários, enquanto as vítimas do navio naufragado eram imigrantes refugiados que partiam para Europa. Esses refugiados morreram tentando entrar no país, 750 pessoas, muito mais do que a capacidade do navio, porque a Europa tem uma política contra refugiados e por isso prefere dar mais atenção a um fato do que ao outro”. Além disso, ela também cita outros pontos que acredita terem incentivado a atenção da imprensa.
“As narrativas da mídia são construídas com forte visão ocidental e tendem a ignorar as diferenças. Acredita-se que o navio tenha partido da Líbia; a crise dos refugiados e discriminação violenta contra esses imigrantes na Europa, principalmente aqueles vindos do Oriente Médio e da África”, explica ela.
Quando falamos do que vira notícia ou não, precisamos entender o que são critérios de noticiabilidade, ou seja, o que é necessário para a publicação de uma notícia, o que influencia e incentiva. Apesar de envolver muitos fatores técnicos e sociais, a repórter explica que a principal motivação acaba sendo o interesse do público e consequentemente, o ganho financeiro em cima desse.
“Ainda que a gente fale dos critérios de noticiabilidade, o que vai de fato decidir o que vira ou não notícia é a recepção do público. Estamos falando de empresas capitalistas, que, portanto, têm interesse em aumentar seus lucros. E audiência é lucro, né? Hoje em dia, com as redes sociais, fica muito mais fácil entender do que o público está falando, o que tem interesse em ler/ouvir. Acabam servindo como termômetro para os veículos de notícia”.
Outro fator que devemos explorar é o interesse público e o interesse do público. Por mais que sejam singulares, essas duas percepções idealizam dois formatos extremamente diferentes de jornalismo. O interesse público é tudo aquilo que serve para a sociedade como algo construtivo e consciente, já o interesse do público se torna tudo aquilo que terá mais repercussão e traz mais audiência para a notícia.
No fim, entender o peso de cada notícia, serve apenas como um lembrete de que tipo de sociedade vivemos e quais nossas prioridades. Viver em sistema capitalista influenciou, influencia e influenciará não só nos setores econômicos mas principalmente na realidade de cada um de nós, sendo assim, a moeda do capitalismo é o capital ou o peso de cada vida humana?
“Eu tenho uma visão mais pessimista, não acredito que essa problemática pode ser resolvida com o tempo, porque eu acho que muitas vezes a mídia não vai produzir conhecimento, ela não vai fazer notícia para que as pessoas aprendam, por mais que a gente tente muito isso, ela vai fazer o que funciona porque vivemos em uma sociedade capitalista que precisa vender o seu produto”, conclui Gabrielle.
