Depois da crise vivida em 2007, seleção feminina de futebol surge como a grande esperança para a conquista da Copa e para a valorização do futebol de mulheres no país

Por Ingrid Martins

No último dia 9, faltando 41 dias para o início da Copa de futebol feminino, a Fifa divulgou o último ranking mundial atualizado antes do evento. Liderada pelas norte-americanas, a tabela dos times ranqueados contou com uma mudança relevante para o cenário do futebol feminino brasileiro: a seleção canarinha subiu uma posição, atingindo o 8º. lugar, desbancando, de quebra, a seleção holandesa para a 9ª posição.

Arte: Ingrid Martins

Tal como o Brasil, a Espanha, ou “La roja”, subiu e alcançou o sexto lugar, enquanto o Canadá se encaixou em sétimo. Sem mudanças nas 5 primeiras posições da tabela, Estados Unidos permanecem seguidos por Alemanha, Suécia, Inglaterra e França.

A partir dos resultados na última Data Fifa, onde a seleção brasileira perdeu nos pênaltis para a Inglaterra – na disputa da Finalíssima – e ganhou sobre a Alemanha (2 a 1), o Brasil chegou aos 1995,3 pontos no ranking. Assim, considerando as dez primeiras colocadas, o time brasileiro foi o que ganhou mais pontos (22,31). Esses placares somados às derrotas do time holandês tornaram a ultrapassagem possível.

Além disso, como consequência da alteração da posição do Brasil frente ao ranqueamento mundial, outro fator que tornou-se possível é a boa atuação da equipe na Copa do Mundo de Futebol Feminino na Austrália e Nova Zelândia, que terá o apito inicial em 20 de julho.

“Trata-se de um projeto em construção. Nós temos pistas de que é um time forte: o Brasil se classificou para o mundial com o título da Copa América, em 2022, de maneira invicta e sem sofrer gols. Hoje, está na oitava colocação no ranking da Fifa, liderado pela vencedora e tradicional seleção dos Estados Unidos. Com o avanço do futebol feminino em âmbito mundial, há times muito competitivos, como Alemanha, França e Canadá. Acredito que chances de vencer existem, mas a missão não será fácil”, declarou Érika Alfaro de Araújo, jornalista e doutoranda no Programa no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unesp, no qual realiza pesquisa com foco no jornalismo esportivo e suas relações com a questão de gênero.

Para Aline Gasparini, comentarista de esportes na RUV Podcasts e locutora do podcast esportivo Elas por Elas, “nada é impossível no futebol, principalmente em Copa do Mundo”. No entanto, ela considera importante ter em mente que “o Brasil não é favorito nessa Copa”, uma vez que existem seleções que investiram muito na formação de jogadoras e nos preparos para os jogos.

“A responsabilidade que a seleção feminina tem hoje não é a mesma responsabilidade que a seleção dos Estados Unidos ou a da Inglaterra tem porque o investimento que foi feito lá, não foi feito aqui e quando começou a ser feito aqui, eles [países que investiram] já estavam em um momento muito mais avançado”. Aline ainda adiciona que é importante saber “separar o que é culpa da CBF e o que é culpa das jogadoras”.

Em 2007, após ser campeã do Pan em uma campanha histórica com nenhum gol sofrido e 33 marcados, a seleção brasileira foi para a China disputar a copa do mundo. Mesmo com uma grande campanha e com grandes talentos em campo, como Marta, Cristiane e Formiga, o Brasil perdeu a final contra a Alemanha por 2 a 0. Mas isso não impediu Marta, camisa 10 da Seleção, de ser eleita a melhor jogadora do torneio e a artilheira da competição.

Em paralelo às marcas de Marta, no cenário nacional, não havia investimentos no esporte feminino: sem campeonatos, sem academia, sem Granja Comary, só com talento. Foi então que, depois da final contra a Alemanha, as brasileiras usaram a oportunidade para pedir ajuda ao futebol feminino nacional. “Brasil, precisamos de apoio”, estampava um dos cartazes. Além disso, elas redigiram uma carta para CBF reivindicando direitos essenciais para qualquer atleta.

“Aquelas atletas fizeram muito com o pouco que tinham. A carta enviada à CBF e assinada pelo elenco após a Copa do Mundo expôs essa precariedade, tendo em vista que elas pediam o básico: transparência nas premiações, oportunidade de usar a academia durante o treino, alimentação e suplementação alimentar adequadas”, afirma Erika.

De tal modo, pressionada pelos protestos das jogadoras e pela mídia, a CBF organizou, naquele mesmo ano, pela primeira vez, a Copa do Brasil de futebol feminino. O primeiro Campeonato Brasileiro só viria em 2013.

Érika reitera que “tentando fazer o exercício de imaginar como seria nos dias de hoje, acredito que o bom desempenho na competição ajudaria muito com relação à aproximação da torcida, já que a competitividade é um fator muito valorizado no esporte contemporâneo. E as reivindicações das jogadoras contariam com mais apoio dos veículos e das pessoas nas redes sociais, contribuindo para que a CBF fosse responsabilizada e pressionada. A expansão do movimento feminista e a emergência de discussões relacionadas às desigualdades de gênero são realidades que me fazem acreditar que as manifestações das atletas brasileiras seriam ouvidas e receberiam mais apoio”.

2019 foi o up para o futebol feminino! Foi nesse ano que a visibilidade da categoria decolou. A Copa do Mundo Feminina de 2019, na França, bateu recordes de ingressos vendidos. Ademais, especificamente no Brasil, foi a primeira vez que a rede globo, uma das maiores emissoras do país, transmitiu os jogos do campeonato. A Bandeirantes, na TV aberta, também esteve presente com transmissões ao vivo. Na TV a cabo, os canais SporTV e Band Sports atuaram. As mulheres ganharam voz como comentaristas esportivas. E esse também foi o momento no qual as marcas passaram a visualizar o futebol feminino.

Em termos de audiência, os números foram relevantes: a audiência da Globo, em televisão aberta, bateu 88.454.000 pela partida entre França e Brasil , segundo Kantar Ibope Media.

Já em 2023, as transmissões ocorrerão, na maioria, pelo SporTV (televisão a cabo), no Globoplay (streaming) e no Ge.com. Há boatos de que a Fifa pode abrir o sinal para o Brasil por meio de seu streaming, o Fifa+; caso não o fizer, 29 partidas da primeira fase do Mundial não terão nenhuma transmissão para o território brasileiro.

Além do Grupo Globo, o canal do streamer Casimiro Miguel, a Cazé TV, no Youtube, também transmitirá jogos da Copa. Pela primeira vez na rádio, a Rádio Transamérica adquiriu os direitos de transmissão da Copa do Mundo Feminina da Fifa.

“A cobertura da Copa do Mundo é essencial para a visibilidade do futebol feminino. Mas é claro que diversos aspectos dessa visibilidade precisam ser discutidos. Estamos falando de uma transmissão séria, bem-feita, comprometida com informações de qualidade e com o bom jornalismo, que supere representações estereotipadas que infantilizam, sexualizam e objetificam as mulheres”.

A Seleção de Pia Sundhage estreia no dia 24 de julho, contra o Panamá. Entretanto, as preparações começam bem antes e serão marcadas pela inovação.

Considerando a mudança brusca de fuso horário, Ana Lorena Marche, a supervisora de seleções femininas da CBF, em entrevista à Central do GE, explicou que, após o jogo da Seleção contra o Chile, no amistoso antes da Copa, as atletas vão descansar. “A gente sai às cinco horas da manhã (de segunda-feira), para entrar já no fuso horário da Austrália, porque lá vai ser seis, sete da noite. Então a gente vai ter uma janta (antes do embarque), para começar a indução do sono das atletas”. No decorrer do voo, as atletas terão atividades específicas para facilitar a adaptação ao fuso horário e amenizar ou reduzir o desgaste.

A comissão técnica, ampliada, contará também com o Núcleo de Saúde e Performance, que terá a participação, entre outros profissionais, da ginecologista Tathiana Parmigiano, especialista em medicina esportiva.

Todos esses preparativos comprovam que, como diz Érika Alfaro, “a realização desta Copa do Mundo com a chancela da FIFA representa uma espécie de oficialização do futebol de mulheres no cenário do esporte mundial”. Assim, nada mais justo do que esta oficialização seja consagrada com o título de campeã mundial de futebol. Que venha a Taça!

Arte: Ingrid Martins

Deixe um comentário