Como reducionismo à expressões “supermaconha” e “efeito zumbi” tem assustado e afastado leitores à uma compreensão necessária sobre essas substâncias
Por: Eduardo Álvares

Quando se pesquisa sobre a droga K9, os resultados são perturbadores, mas muito pouco esclarecedores: “Droga ‘zumbi’ aterroriza São Paulo”, “’Efeito zumbi’: ‘Supermaconha’ traumatiza família com internação e morte”. As manchetes são sensacionalistas, ilustrando como se tem priorizado o choque, em vez de informar sobre essa substância, confundindo e apavorando leitores que buscam por informação.
Realmente, o cenário é preocupante e demanda atenção. Diferentemente da maconha, as drogas K (canabinóides sintéticos), geralmente reduzidos ao K9, tem efeitos bem mais intensos e até, possivelmente, mortais. Mas é preciso informar de maneira clara, contextualizada e sem exageros para que o público possa tomar decisões informadas e participar consciente da discussão.
Em matéria recente, intitulada “Polícia estoura laboratório de droga que abastecia o Centro de SP com a K9”, divulgada pelo Twitter, o portal de notícias G1, tuitou: “O entorpecente conhecido como K9 chega a ter 100% mais THC do que a maconha”. A matéria sofreu duras críticas no site, principalmente por referenciar-se como tema, por duas vezes, à K9, mas ilustrar a notícia com uma foto de uma plantação de maconha, que não tem relação direta com a produção do canabinóide sintético.
Para o aluno de psicologia e estudioso do tema de drogas, Pedro Maia, “matérias assim assustam e confundem, além de estigmatizar a maconha, ao ser associada com uma droga que é, de fato, outro tipo de substância”. As drogas K, aliás, não tem relação com qualquer tipo de plantação, como ilustrado.

Mas o que são as drogas K e porque não devem ser chamadas de maconha sintética?
K2, K4, K9 ou Spice são apenas alguns dos muitos nomes comerciais de drogas sintéticas que têm a intenção de imitar o THC, o principal ingrediente psicoativo da maconha. Essas drogas sintéticas pertencem à classe dos canabinóides sintéticos, que se assemelham aos naturais.
No entanto, é importante ressaltar que não existe uma planta de maconha sintética. Esses compostos canabinóides sintéticos são produzidos em laboratórios. Embora eles tenham uma estrutura química semelhante ao THC, eles não são idênticos. É fundamental compreender que a Spice e maconha não são a mesma coisa.
Há, inclusive, uma diferença prática: enquanto a maconha é consumida como uma planta, as drogas K, são sintetizadas em forma de pó ou, geralmente, líquidas e, assim, borrifadas em papéis ou em ervas diversas.
Além disso, apesar de não haver estudos suficientes para entender os produtos químicos das drogas, parece ser possível experimentar uma overdose dessas substâncias. Seus efeitos variam de forma imprevisível, podendo ter grave risco para quem consome.
De acordo com estudo preliminar de Jolanta Zawilska, publicado no Jornal de Neuropsicofarmacologia de Oxford, os produtos químicos (como JMH-018 ou AM2201), que tentam imitar o THC, são fisicamente viciantes. Tese que é corroborada pelo relato de diversos usuários que tiveram contato com a substância.
Outra questão problemática é a de possíveis misturas na droga, como aponta o professor do departamento de Psiquiatria da UNIFESP, Thiago Fidalgo, em entrevista à rádio BandNews FM. “Tem um problema inerente às drogas sintéticas que é a gente não saber exatamente o que está sendo consumido, então quando alguém fala que usou K2 ou K9 a gente nunca tem certeza se foi isso mesmo que a pessoa consumiu e o que foi misturado ali e se esse efeito agudo é devido ao K2, ao K9 ou é devido a tudo que foi misturado”.
Por não haver controle de qualidade quando tratamos de tráfico, o esforço para baratear a droga pode envolver o acréscimo de substâncias tão danosas ou até mais perigosas que a própria droga. “Essas misturas às vezes envolvem querosene, gasolina, pó de mármore e outros compostos que podem ser muito tóxicos para o nosso corpo”, completa o professor.

Quais são os efeitos, e porque não chamar de “efeito zumbi”?
Os efeitos, apesar de muito mais intensificados, para o psiquiatra Thiago Fidalgo, se assemelham com os da maconha, mas há diferenças fundamentais por ser outra substâncias. “Essa relação provavelmente foi a desejada quando a droga foi sintetizada, mas à medida que você vai trabalhando a molécula para ela ficar mais potente você também vai deixando os efeitos colaterais e os riscos maiores”.
A literatura científica ainda é muito vaga sobre os efeitos conhecidos, e o que se sabe vem, basicamente, da experiência descrita por usuários. Entre eles, destacam-se a sonolência, desorientação, dissociação e a “anestesia dissociativa”, como vem sendo descrito o “efeito zumbi”, estado em que o usuário experimenta uma espécie de transe, apresentando um catatonismo e ausência de expressões.
Para Pedro Maia, é importante criticar o uso da expressão “efeito zumbi”, que simplifica de forma equivocada a complexidade dos efeitos dessas drogas no organismo e na mente das pessoas. “Embora seja verdade que altas dosagens de K2 ou Spice possam levar a efeitos adversos significativos, rotular esse estado como “zumbi” não aborda adequadamente as causas subjacentes e os efeitos reais da substância”.
Além disso, para ele, comparar o estado de uma pessoa sob o efeito dessas substâncias a um “zumbi” é desrespeitoso e estigmatizante, pois “essa associação reforça estereótipos negativos e desumaniza os usuários, contribuindo para a marginalização e a discriminação daqueles que enfrentam problemas relacionados ao abuso de drogas”.
Assim, em vez de recorrer a termos sensacionalistas e desumanizantes, é importante que a mídia e a sociedade adotem uma abordagem mais empática e factual em relação ao uso dessas substâncias. Isso inclui fornecer informações precisas sobre os riscos e os efeitos das drogas, bem como oferecer suporte e acesso a tratamento para aqueles que enfrentam problemas relacionados ao uso de substâncias.
Cuidado com o compartilhamento de vídeos e fotos:
Pedro também aborda sobre as problemáticas do compartilhamento de mídias de pessoas sob efeitos dessas drogas. “O compartilhamento desse tipo de conteúdo é uma invasão da privacidade e viola os direitos das pessoas envolvidas. Essas imagens ou vídeos são capturados em momentos vulneráveis e geralmente retratam indivíduos em situações de grande dificuldade ou confusão. Expor essas pessoas dessa maneira é desrespeitoso e cruel”.
É uma prática que também perpetua a estigmatização e o preconceito, “em vez de buscar entretenimento ou sensacionalismo através do compartilhamento de fotos ou vídeos de pessoas sob o efeito do K9, é fundamental promover uma abordagem compassiva e humanitária. Isso inclui oferecer suporte adequado, educação e acesso a tratamentos para ajudar aqueles que sofrem com o vício a se recuperarem e reconstruírem suas vidas”.
Ao compartilhar imagens impactantes desses usuários, o internauta também carrega certa responsabilidade sobre seu conteúdo. Por isso, é fundamental entender essa controvérsia: “é responsabilidade de todos nós conscientizar e respeitar a privacidade e a dignidade das pessoas afetadas pelo uso de drogas, garantindo que elas recebam o apoio necessário em vez de serem expostas e ridicularizadas publicamente”, conclui o estudante de psicologia.
