Como a crítica especializada e a indústria do cinema enxergam os famosos fãs, pessoas que levam a paixão por suas obras favoritas a um outro nível.

Por Higino Diego Carvalho

Foto: Divulgação/CCXP (de: exame.com)

Todos os anos a cultura do entretenimento pode contar com o lançamento de um novo capítulo de alguma obra que é capaz de abalar a indústria. Um dos “poréns” que essas estreias são capazes de criar são as reações dos fãs, que podem ir desde simples textos na Internet falando do porque a sua saga favorita é a melhor do mundo, até a posts com discursos criminosos que, infelizmente, já se tornaram comuns na comunidade.

Não é segredo para ninguém que algumas produções como Star Wars, Senhor dos Anéis, Harry Potter e algumas outras que foram hábeis o suficiente para alcançar esse status, são capazes balançar a cultura pop quando surgem com alguma novidade de impacto, e sem sombra de dúvida, quem mais aguarda por esse momento são os fãs.

Os fãs são aqueles que estão sempre consumindo o seu objeto de admiração, seja ele um filme, série, livro, jogo ou qualquer outro meio artístico que seja capaz de contar uma história ou conteúdo que faça alguém se apaixonar por ela. Até aí, é fácil imaginar que a indústria do cinema deve adorar os fãs das suas obras e trabalhar incansavelmente para agradá-los, não é mesmo?

“Considero os fãs uma parte integrante e bem vibrante da cultura pop (às vezes até demais). Cinema é indústria e indústria é mercado. Sendo assim, os fãs são o público consumidor mais ativo, ainda que geralmente sejam minoria, é importante entender. Uma minoria barulhenta, mas minoria”, comentou PH Santos, crítico de cinema desde 2005 e que mantém um canal no YouTube com mais de 500 mil inscritos.

Foto: Divulgação/PH Santos (de: terra.com.br)

“Eles são os consumidores mais fervorosos de uma obra, tem alguma ajuda a manter a popularidade e a continuidade de franquias, séries, jogos, etc, mas é bom se entender que o público geral é o que realmente faz aquela obra funcionar no mercado. Fã não sustenta bilheteria. Fã não sustenta tantas outras coisas”, completou.

É importante ressaltar que os fãs já foram capazes de algumas poucas conquistas sobre os executivos, um exemplo foi o lançamento do filme que estreou diretamente para o sistema de streaming HBO Max, o filme Liga da Justiça de Zack Snyder. Esse filme só saiu após um esforço barulhento dos fãs, que após muito pedirem, o estúdio permitiu que o diretor que iniciou o projeto do longa original, Zack Snyder, pudesse retornar ao projeto para finalizar o seu corte do filme.

É importante mencionar que o cineasta precisou se afastar do filme ainda no início dos trabalhos de pós-produção, no início de 2017 por questões pessoais, obrigando assim o estúdio chamar outro diretor de renome, Joss Whedon, para editar a montagem do longa. No final, o filme chegou às telonas em novembro de 2017, tendo uma repercussão negativa tanto pela crítica quanto pela audiência geral.

No entanto, esse caso é uma das exceções, já que é possível contar nos dedos as vezes que os fãs conseguiram tirar algo dos grandes estúdios, ainda mais quando vemos que já houve outras campanhas como essa citada que foram iniciadas por fãs na Internet, mas que acabam sendo ignoradas pelas empresas.

Outro ponto importante que envolve os fãs são os quereres, aquilo que eles esperam e anseiam ao máximo possível do novo capítulo ou nova adaptação da sua saga de filmes favorita.

PH comenta sobre isso quando menciona que a indústria da cultura pop se beneficia enormemente dos fãs, já que são eles que frequentemente ajudam a sustentar as franquias, comprando mercadorias, ingressos para estreias, falando sobre quando ninguém falava, participando de eventos relacionados, levando a obra para as suas vidas, mas que nisso há uma faca de dois gumes muito evidente.

Enquanto a fidelidade dos “fanboys” (termo utilizado para denominar alguém que é fã de uma forma excessiva por um produto) garante um público cativo, também pode limitar a inovação dentro daquele universo. “Às vezes, os fãs tem tanto a resposta para algo, que esquecem que precisam ser simplesmente frustrados. É a expectativa frustrada do espectador que garante a surpresa. Por isso, acho importante que essa admiração não se transforme em uma obsessão doentia que exclua outras opiniões ou críticas – porém infelizmente isso acontece. Portanto, tenho uma opinião que todo fandom (fã clube) se transforma em essencialmente tóxico. Basta não agradar. Basta não soar como um eco da opinião da maioria. Acho que o equilíbrio é a chave aqui – é totalmente saudável ser um fã apaixonado, desde que ainda esteja aberto e ligado a outras perspectivas e críticas construtivas que vão ocorrer quanto mais a obra se popularizar” comenta o crítico.

“E é assim desde sempre. Desde Star Wars, quando a trilogia I, II, III foi lançada, desde Star Trek, antes até desde os primeiros Dr. Who. Fazendo pesquisas, encontrei cartas de leitores para revistas sci-fi criticando ferozmente o seu autor favorito quando este resolveu mudar. É mais do que histórico, é lendário já. O autor tem que desagradar! É essencial, senão corre-se o risco criar uma barreira para novos espectadores que podem se sentir intimidados ou afastados por essa intensidade que os fanboys carregam consigo. Cria-se, autor e fãs, essa redoma que mais faz a obra definhar do que proteger de fato”, completou PH.

Nesse sentido, é possível citar inúmeros episódios onde esses fanboys reagiram de uma forma extremamente tóxica a alguma escolha feita na sua obra favorita, principalmente com castings. Um dos fandoms que mais tem casos famosos e recentes é justamente o de Star Wars, uma das franquias mais lucrativas do mundo. Um caso famoso foi a crítica pesada e a forte rejeição sobre o ator Jake Lloyd, que na época tinha apenas 10 anos e interpretou a versão mirim do personagem Anakin Skywalker/Darth Vader no filme Star Wars: A Ameaça Fantasma, de 1999.

A alta exposição fez com que o mesmo se afastasse da carreira de ator precocemente, em 2001: sua última aparição nas salas de cinema foi o filme Madison (William Bindley).

Outro caso ocorreu com a atriz Kelly Marie Tran, que foi escalada para interpretar a coadjuvante Rose no filme “Star Wars: Os Últimos Jedi”. Ela sofreu inúmeras ofensas racistas e machistas por causa da sua participação no filme que até então era o grande passo na sua carreira.

É importante mencionar que parte significativa desses ataques, no fundo, possui raízes racistas, machistas e homofóbicas, já que é notável a perseguição que existe sobre essas minorias em alguns cantos da cultura pop.

Um acontecimento interessante é que não são só os atores que sofrem com esse tipo de crime, já que os personagens fictícios também são alvos. um exemplo está na criação do novo Homem-Aranha, em que Miles Morales, criado para os quadrinhos em 2011, por ser um jovem negro e latino, sofreu forte resistência por parte dos fanboys do herói na época, mas que hoje se encontra nos holofotes da mídia em geral com filmes, animações e games.

Também vale citar o caso da nova produção da Prime Vídeo, Os Anéis do Poder, série lançada em 2022, derivada de O Senhor dos Anéis. Nesta adaptação, o personagem Arondir é um elfo negro, o que gerou manifestações na internet, com os fãs alegando que não existiriam elfos negros. Esses fãs foram lembrados por outros do fato de que, na verdade, não existem elfos.

Por fim, é importante falar também sobre como os fãs reagem aos críticos especializados, profissionais que trabalham com opiniões, e assim, se tornam um possível alvo para esses fanboys, caso falem algo que eles não concordem.

Ao comentar sobre o assunto, PH explica que os fãs estão em busca de atenção. “As pessoas querem ter o ego acariciado, bem como muitos críticos também. Quando o tempo passa, percebe-se que é uma equação que simplesmente não fecha”.

Ele explica que, estando há muito tempo nesse ramo, acredita que é inevitável que alguns comentários e abordagens possam desagradar alguns fãs. “Alguns desses eu forço para despertar o pensamento crítico em alguém. Caso contrário, serei rádio de um programa só. E aí definharemos eu, obra e fã. Já recebi feedback negativo, ameaça de morte, essas coisas, de fãs que sentiram que suas obras favoritas foram criticadas de forma injusta. Eu penso que, qualquer crítica, a bem da verdade, caso não vá na linha esperada, será sentida como injusta e esse é o grande problema. O fã usa o “fanboyismo” como escudo e, qualquer coisa que tentar passá-lo, é lança. Mas isso não pode mudar a maneira como os comunicadores agem. O autor não pode reduzir-se a favor do fã, menos ainda o comunicador, o crítico, o analista, quer que seja. É importante manter a integridade e honestidade nas críticas, evidente. É tão importante quanto ser respeitoso e fundamentar bem os argumentos e nunca atacar obras apenas por atacar. Mas é preciso falar, doa a quem doer. Deixa que os fãs se abracem no próximo encontro de fãs e tudo fica certo, o amor volta a dominar”, completou PH Santos.

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