Neuralink, empresa de Elon Musk, se prepara para iniciar testes de implantes cerebrais em humanos ainda neste ano

Por Lívia Ghirardello

O empreendedor bilionário anunciou, durante o evento VivaTech realizado em Paris, no dia 16 de junho, que sua empresa pretende realizar os primeiros testes de implante de chips cerebrais em humanos ainda este ano. Intitulados de “Links”, a tecnologia tem o potencial de restaurar a função de pessoas com paralisia e condições debilitantes, como a esclerose lateral amiotrófica.

Fundada em 2016, a empresa de Musk vem revolucionando o campo das neurotecnologias com seu desenvolvimento de BCI’s (Interfaces Cérebro-Computador). Sua mais recente inovação, denominada N1, é um chip de computador carregado de eletrodos que pode ser implantado na superfície do cérebro e conectado a eletrônicos externos. O dispositivo é capaz de registrar a atividade neural e estimular regiões específicas do cérebro para ajudar pacientes com deficiência.

Embora a Neuralink destaque que sua inovação pode ser aplicada em diversos objetivos terapêuticos, como tratar condições como cegueira, paralisia e até depressão, aos poucos fica claro que seu verdadeiro propósito é impulsionar a integração entre a inteligência humana e artificial. O próprio empresário espera, também, que o dispositivo possa eventualmente extrair e armazenar pensamentos, como “uma unidade de backup para seu ser não físico, sua alma digital”.

Musk ainda ressalta que o poder da união da mente humana com a tecnologia permitirá que os seres humanos sejam amplamente competitivos com a inteligência artificial em rápida evolução. Em uma entrevista ao The New York Times, ele afirma que “a I.A. não precisa nos odiar para nos destruir. Nós simplesmente passaríamos por cima de um formigueiro que está no caminho de uma estrada. Você não odeia as formigas. Você está apenas construindo uma estrada… E o potencial da inteligência em computadores é muito maior do que na biologia”.

O bilionário acrescenta que fundou a companhia em resposta direta às preocupações de que a Inteligência Artificial ganharia um poder excessivo para cima dos humanos: “eu criei [Neuralink] especificamente para lidar com o problema da simbiose da I.A., o qual eu acredito que seja uma ameaça existencial”.

Ainda em maio de 2023, a empresa recebeu autorização da Food and Drugs Administration (FDA), órgão regulatório de saúde dos Estados Unidos, para conduzir seu primeiro estudo clínico em humanos. No entanto, a decisão tem gerado preocupações entre especialistas, visto que foi tomada enquanto uma investigação sobre os testes realizados pela startup estava em andamento, envolvendo alegações de crueldade contra animais.

De acordo com um relatório da agência de notícias Reuters, a Neuralink matou mais de 1500 animais desde que iniciaram seus testes em 2018. Além disso, tanto ex-funcionários quanto os atuais da companhia afirmam que esses números são apenas estimativas, mas que a quantidade de mortes animais é maior do que o necessário por razões relacionadas às demandas de Musk para acelerar a pesquisa.

Especialistas se preocupam com cada etapa da trajetória da Neuralink, começando pelos próprios testes. Em 2022, a FDA recusou a primeira permissão para testes em humanos, citando dezenas de preocupações com segurança. Entre elas, destacam-se a bateria de lítio do dispositivo, a possibilidade de migração dos fios para outras partes do cérebro e o desafio de removê-lo com segurança, sem causar danos ao tecido cerebral.

Não há registros se estes problemas foram devidamente abordados e solucionados até o momento.

A Doutora L. Syd M. Johnson, professora associada no Centro de Bioética e Humanidades da Universidade Médica SUNY Upstate, em entrevista ao site de notícias norte-americano The Daily Beast, traz reflexões em relação ao possível objetivo comercial de Musk. Segundo a especialista, esses produtos têm um público-alvo muito específico. Se considerarmos o desenvolvimento exclusivo para indivíduos paralisados, o mercado é limitado e os dispositivos são caros.

“Se o objetivo final for utilizar os dados cerebrais adquiridos para outros dispositivos, ou usar esses dispositivos para outras finalidades, como dirigir carros, dirigir Teslas, então pode haver um mercado muito, muito maior”, afirma Johnson. “Mas então todos esses sujeitos de pesquisa humana – pessoas com necessidades genuínas – estão sendo explorados e usados em pesquisas arriscadas em benefício comercial de terceiros”.

A Doutora K. Kreitmair, da Universidade de Wisconsin-Madison, complementa, afirmando que essa tecnologia tem o potencial de mudar vidas, mas se os implantes forem bem-sucedidos nesse caso de uso, “então haverá um apetite por usos do consumidor dessa tecnologia, como ler e-mails apenas com a mente ou operar um veículo autônomo”, levantando uma série de preocupações éticas.

Entre essas preocupações, a doutora Johnson destaca aquelas com as quais devemos nos preocupar: A Neuralink terá acesso aos dados cerebrais das pessoas em quem eles implantarem esses dispositivos? Quais são as intenções da empresa em relação a esses dados? E como eles garantirão a proteção da privacidade dos usuários?

Entretanto, especialistas afirmam que, se a companhia conseguir provar que seu dispositivo é seguro em seres humanos, ainda levará vários anos, até mais de uma década, para que a startup obtenha a aprovação para uso comercial.

Estamos adentrando em uma nova era de exploração da interface cérebro-máquina. Esses avanços tecnológicos podem oferecer esperança e oportunidades para pessoas debilitadas. No entanto, à medida que acompanhamos o progresso da Neuralink, é fundamental que os mecanismos adequados sejam estabelecidos para garantir a segurança, a privacidade e o bem-estar dos participantes dos testes e, eventualmente, dos futuros usuários dessa inovadora tecnologia.

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