“Estou preocupado com o que as crianças estão acessando neste momento na sala de aula”, diz professor Juliano Carvalho

Por Letícia Heloísa

No dia 5 deste mês, reuniram-se juristas, pesquisadores e conselheiros para debater o marco legal da inteligência artificial. A PL 2.338/23, apresentada pelo presidente do senado, Rodrigo Pacheco, e elaborada por uma comissão de juristas durante o ano de 2022, foi um dos principais assuntos abordados na audiência pública.

O projeto de lei visa regularizar algoritmos e sistemas da IA e definir critérios para a utilização dessas tecnologias pelo poder público. Para isso, foram convidados alguns especialistas e acadêmicos para a segunda reunião do Conselho de Comunicação Social. Dentre eles, Ricardo Villas Bôas Cueva, ministro do STJ; Laura Schertel, a presidente da comissão de juristas que elaborou o projeto; a professora do Programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC de São Paulo; Dora Kaufman; e o professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual Paulista, Juliano Carvalho.

O tema sobre o marco legal da inteligência artificial foi aprofundado no decorrer da reunião com a discussão sobre o projeto de regulação da inteligência artificial. O professor Juliano resolveu trazer atenção a pautas como a educação e a valorização da sociedade e cultura brasileira, justificando que não acha que a inteligência artificial, como está inserida hoje, pode ajudar no combate às fake news.

“Estou preocupado com o que as crianças estão acessando neste momento na sala de aula. Estamos muito preocupados com o significado que tem sobre o Brasil e sobre a sociedade brasileira sendo construídos com vieses, nesse momento, por essas inteligências”, declarou Carvalho em discurso no Conselho.

O Conselho de Comunicação Social é previsto pela Constituição Federal e foi regulamentado por uma lei federal em 1991. Com o novo mandato do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco deu posse ao novo Conselho desde abril deste ano, sendo essa a segunda reunião deste novo mandato.

Sendo o próprio Conselho de Comunicação fruto da democracia, os assuntos lá tratados não são diferentes. “Nós não temos que demonizar tecnologia nenhuma”, diz o professor Juliano. Para ele, podemos usá-la como um braço direito para funções banais, como realizar um cálculo e colocar em uma planilha. “Na hora que eu vou interpretar o dado na planilha, eu vou interpretar segundo o critério valor-notícia, critério de noticiabilidade que o jornalista pode fazer”, disse.

O impacto da inteligência artificial sobre as profissões, segundo o professor, é exatamente o que está sendo estudado e que é difícil, agora, dimensionar como, quando e o quanto serão impactadas. “Tinham muitas funções que desapareceram, mas também surgiram outras. Não existiam funções ligadas ao gerenciamento de mídias sociais há uma década no nosso mercado. Então, isso também apareceu e eu acho que inteligência artificial vai criar outras demandas e vai suprimir algumas”.

O professor acredita na capacidade de preparar novas gerações para se apropriar da tecnologia com outro tipo de alfabetização. Ou seja, a tecnologia é resultado da ciência e a divulgação e uso da ciência são efeitos democráticos e, caso não houvesse esse avanço, teríamos tantos problemas quanto podemos ter com a presença deles. Cabe, portanto, a discussão sobre a maneira como utilizamos os resultados dos avanços tecnológicos e como se pode adaptar para que outras gerações permaneçam com o mesmo conceito.

Ele explica, também, que a inteligência artificial não possui decisão moral, pois há coisas que as novas tecnologias não podem realizar. No Senado, Juliano expôs uma recomendação da Unesco sobre ética e inteligência artificial, em que é tratado o jornalismo automatizado e o fornecimento de notícias por meio de algoritmos como questão de acesso à informação, desinformação, informações falsas, discursos de ódio, surgimento de novas narrativas sociais, discriminação, liberdade de expressão, privacidade e alfabetização midiática e informacional.

Desse modo, a ética humana e jornalística é um conceito muitas vezes mal compreendido ou até mesmo inexistente para algoritmos como o ChatGPT. São sistemas subordinados e coniventes com qualquer presença ou ausência de senso democrático ou empatia direcionada. “Não acredito em uma comunicação que não seja mediada humanamente”, frisou o professor ao concluir sua fala no Senado.

É democrático que a tecnologia exista e esteja à disposição da sociedade. A partir de que momento, porém, essa democracia deixa a sua essência quando se trata de inteligência artificial? Talvez quando ela se insere na comunicação para substituir o tato humano.

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