De síndrome de vira-lata ao preconceito fantasiado de opinião, a literatura contemporânea brasileira enfrenta desafios para se consolidar no mercado.

Por Gabriela Bita

Bookgram, booktwt, booktok. Essas são algumas das nomenclaturas existentes na comunidade literária que são cada vez mais comuns nas redes sociais. A primeira é utilizada para falar dos leitores que se fazem presentes, principalmente no Instagram, a segunda, no Twitter, seguido pelo TikTok e, finalmente, todo o grupo das pessoas fanáticas por livros, os bookstans.

Não apenas nos nomes utilizados para designar esse nicho o estrangeirismo prevalece. A preferência dos leitores por literatura internacional e a desvalorização da literatura nacional são pontos com os quais os autores brasileiros precisam unir suas forças contra todos os dias. “Nos Estados Unidos, por exemplo, há certa resistência a livros estrangeiros. Já no Brasil, há resistência a livros nacionais”, comenta Levi, quadrinista e autor de Pillow Talks. Para a autora de Entre Naipes, Mari Lucioli, além de haver pouco incentivo à literatura nacional contemporânea, o próprio leitor não vê a capacidade do escritor brasileiro e suas obras, partindo sempre para as internacionais.

Em um meio tão diverso e plural, a representação da diversidade dos indivíduos ainda encontra resistência para existir nesse espaço. Para Lucioli, a maior dificuldade em se produzir literatura LGBTQIA+ no Brasil é a questão de conseguir chegar aos leitores. “Ainda existe muito preconceito, então, depois que você produz, é muito mais difícil você conseguir um retorno muito bom, assim como as obras heteronormativas”, ela comenta.

Várias são as discussões geradas nas redes sobre a presença de personagens que representam as letras da comunidade e o preconceito se escancara quando os leitores começam a interrogar e a negar a orientação sexual de um determinado casal, por exemplo, por não condizem com aquilo que seu imaginário diz ser a representação correta. Segundo Levi, essa é uma das maiores resistências do público em relação às obras LGBTQIA+ nacionais.

“Tem muita gente que só acha que é representatividade LGBT se pessoas forem do mesmo gênero em um relacionamento. Não é assim que funciona na vida real e não é assim que funciona também na literatura”, afirma.

Além disso, não somente sobre relacionamento fictício alheio o público expõe seus preconceitos camuflados de opinião. Uma das atitudes comuns entre os leitores é a comparação e a medição do sofrimento apresentado pelo personagem. “As pessoas acabam resumindo a gente ao sofrimento de ser LGBT. Se não sofrermos, não somos nós, não somos válidos”, aponta Levi.

“Realmente, para certas pessoas, para você ser LGBT, tem que sofrer homofobia, tem que apanhar na rua. A mesma coisa é refletida nos livros, se o personagem não está sofrendo, é porque não é gay”. Mari comenta e, assim como Levi, acrescenta que as pessoas irão ver sofrimento em seus livros, mas relacionado apenas ao fato de que seus personagens são humanos.

Capa e dedicatória de Entre Naipes, Livro de Mari Lucioli (Foto: Instagram @marianalucioli)

Apesar da resistência de um determinado público, o mercado nacional apresenta-se cada vez mais aberto e receptivo para com as obras e autores LGBTQIA+. “A gente tem alguns autores que vendem muito bem por editoras tradicionais, como Giu Domingues, Pedro Rhuas e Clara Alves. Então, não é um investimento tão arriscado quanto elas imaginavam ser”.

Mari comenta sobre a relação entre as editoras nacionais e as obras representativas. Para a autora, ainda, o argumento de que esse seria um tipo de literatura muito nichado foi superado com o sucesso alcançado por esses e outros autores entre os leitores brasileiros.

No pós maio nacional — mês em que há um foco maior na valorização das obras nacionais — e junho, da visibilidade LGBTQIA+, é necessário que os autores brasileiros da comunidade e suas obras continuem a ser valorizados. Para Levi, o público deve se atentar para dar a mesma visibilidade para todos os tipos de autores e obras, pois há muita produção de qualidade no país.

“Nós temos muita coisa boa no cenário nacional. Tem muitas pessoas aqui no Brasil que tem essa síndrome de vira-lata, que só gosta de autor gringo”. Mari completa que basta que o público lembre dos autores em épocas em que a visibilidade não é a pauta principal das discussões. “A gente está sempre divulgando. A questão é que as pessoas não estão olhando dando atenção”.

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