Uma discussão sobre a filosofia, o pensamento crítico e o impacto do Novo Ensino Médio
Por Isadora França

A implementação do Novo Ensino Médio nas instituições brasileiras pelo Ministério da Educação (MEC), cujo processo teve início no ano de 2022, tem preocupado profissionais da Educação no que diz respeito à presença das disciplinas de humanidades, especialmente a filosofia, na ementa escolar. De acordo com o MEC, esse novo modelo de ensino irá promover uma maior flexibilidade curricular e adequação às demandas da sociedade contemporânea. Segundo os responsáveis, o principal objetivo do projeto é reduzir a evasão escolar e melhorar os índices de aprendizagem.
Ainda conforme o MEC, esse novo modelo de ensino se propõe a oferecer aos alunos uma grade curricular que se adeque aos seus interesses. Essa mudança no currículo inclui o aumento da carga horária referente às disciplinas inclusas na área de interesse do aluno em questão, bem como a redução da carga horária das disciplinas que não estão presentes nessa área escolhida pelo discente.
Desta forma, um aluno que opte pela área das ciências da natureza, por exemplo, terá uma maior ênfase nas matérias relacionadas a esse campo, como forma de direcionar seus estudos de acordo com suas aptidões. Assim, as disciplinas de humanidades podem ter uma presença menor na grade curricular dos alunos que optam por outros campos de interesse, enquanto outras áreas do conhecimento são enfatizadas.
De acordo com o professor Alex Francisco Paschoalini, que leciona filosofia na Escola Técnica Estadual Gustavo Teixeira, em São Pedro, interior de São Paulo, a dinâmica a que se propõe o Novo Ensino Médio tende a limitar o conhecimento histórico e o aprimoramento argumentativo dos alunos que optaram por um currículo que não o das humanidades.
“Reduzindo-se a carga horária, não há tempo de apresentar o pensamento filosófico histórico e treinar o aluno a pensar filosoficamente. Ficamos limitados a pinceladas históricas e desenvolvimento de uma argumentação minimamente lógica, mas sem um aprofundamento ideal”.
Ele explica que a razão dessa perspectiva se fundamenta no fato de que o Novo Ensino Médio se propõe a uma maior abertura ao ensino tecnicista, isto é, um ensino que se pauta na produção, algo que já faz parte do histórico da formação escolar no Brasil, quando o desenvolvimento integral do aluno era deixado em segundo plano.
“Apenas para contextualizar, após a Segunda Revolução Industrial, surgida com o domínio da eletricidade e o desenvolvimento de teorias de produção como o Taylorismo e o Fordismo, a educação tecnicista passou a ser a grande aliada do crescimento produtivo de uma indústria”.
O professor relaciona também a formação educacional tradicional tecnicista com os planos do novo projeto de ensino e argumenta sobre como a proposta inclina-se a um ângulo de retrocesso, afastando-se do objetivo de melhora dos índices de aprendizagem.
“Adaptar o homem ao conceito de produção alcançado pela Administração Científica de Taylor ou da linha de produção de Ford aumentava e muito a produtividade. Mas já passamos da Terceira Revolução Industrial, a chegada da informatização e, para muitos, estamos entrando na Quarta Revolução Industrial, com o advento da internet e da Inteligência Artificial. Basta ver os acalorados debates sobre o ChatGPT. Portanto, o modelo tecnicista está ultrapassado. É preciso ensinar o pensamento lógico, a reflexão, a noção básica de ética. Sem isso, continuaremos, como sempre fomos na história, atrasados no desenvolvimento humano, social e, por que não, econômico”.
Os itinerários formativos e a não obrigatoriedade da licenciatura
Outro objetivo relacionado à implementação do novo modelo de ensino prevê uma queda nos índices de evasão escolar, por propor uma dinâmica que enfatiza os interesses de cada aluno, através dos itinerários formativos, que de acordo com o MEC. “São o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher no ensino médio”. No entanto, sobre isso, outro professor de filosofia, Lucas Gabriel Maldonado, afirma que a reforma do ensino não permite escolhas aos alunos, na prática.
“Os itinerários formativos já vêm prontos de cima a baixo e são determinados antes do início do ano letivo. Quando posteriormente são ofertados aos alunos, estes acabam não tendo várias opções, [diferentemente] do que foi dito na defesa da aprovação da reforma”, diz.
Lucas menciona, ainda, a questão relacionada à não obrigatoriedade da licenciatura a alguns professores do Novo Ensino Médio. “Além do fato das aulas serem ministradas por professores que não possuem formação na área, disseminando ainda mais o notório saber na educação”.
O termo “notório saber” é utilizado no contexto educacional e jurídico no Brasil. Ele se refere a um conhecimento ou habilidade reconhecidos como amplamente difundidos e adquiridos por meio da experiência prática ou vivência pessoal, em vez de ter sido obtido por meio de um diploma ou certificação formal. A respeito desse ponto, o Ministério da Educação argumenta que a atuação dos profissionais com notório saber ocorrerá exclusivamente para atender a formação técnica e profissional dos alunos.
Pensamento crítico e consciência coletiva
Também é discutida a possibilidade de que a negligência das humanidades possa provocar efeitos na forma como a sociedade se organiza e se manifesta. Sobre isso, Alex pontua: “estamos na era da IA e entender como as coisas funcionam depende do desenvolvimento da criatividade, dos conceitos básicos de lógica, da capacidade de reflexão, que invariavelmente trará, também, a reflexão ética. Pois bem, reflexão, lógica e ética são conceitos desenvolvidos pela Filosofia desde Sócrates, Platão e Aristóteles, ou seja, a mais de 2 milênios. Negligenciar esses conhecimentos é, claramente, o que faz com que tenhamos pessoas e uma sociedade cada vez mais carente de pensamento crítico”.
Ele considera que o investimento na filosofia é essencial para a formação e consolidação de uma consciência coletiva mais crítica. “O surgimento da Filosofia se deu quando a capacidade de observação foi posta em prática na Grécia Antiga. Observar significa, ver mais, ouvir mais, refletir mais e se expressar menos. Há um ditado popular que diz que “temos dois ouvidos e uma boca para ouvirmos o dobro do que falamos (ou falar a metade do que ouvimos)”.
Para o professor, “o desenvolvimento do pensamento crítico depende de pausa e reflexão. Não é imediatista e, por isso, é bem mais profundo. Não resta dúvidas de que a Filosofia pode melhorar a formação humana dos cidadãos e, por consequência, o desenvolvimento de uma consciência coletiva mais crítica e mais realista”.
