Crianças pretas e pardas são preteridas na busca de um novo lar
Por Rebeca Elias

Segundo o CNA (Cadastro Nacional de Adoção) ocorre em pleno século 21 um preterimento de pessoas pretas e pardas no processo de adoção no Brasil, já que, na fila de espera, as crianças pardas são 48,86% e as pretas 16,99% do total.
Quando se pensa em adoção, todos enxergam como uma ação empática, solidária e nobre, contemplando como uma ótima alternativa para constituir uma família, e ressignificar a vida de uma criança. Mas pouco se fala sobre a existência de uma dificuldade em questão de raça.
“Existe um padrão socialmente construído em nossa sociedade. Esse padrão colonial é branco, de preferência loiro, de olhos azuis. É um padrão eurocêntrico. Um padrão de beleza que constrói nossas subjetividades, constrói e dita nosso olhar sobre o outro e influência na hora de candidatos a pais escolherem seus futuros filhos”, diz Samara Santos, mestra em serviços sociais.
Essas crianças que se encontram em situação de vulnerabilidade parental, e enfrentando a fila de espera para serem adotadas por uma família, acabam sofrendo de um preterimento apenas por serem pretas ou pardas. Essa problemática só fomenta mais uma das formas pelas quais a sociedade em que vivemos faz a exclusão dessas pessoas.
“O racismo constrói a subjetividade do sujeito. Constrói o modo como ele se vê e se entende no mundo. Uma criança preta que vive em um centro de acolhimento vê colegas brancos sendo adotados e ela sendo preterida, pode não entender muito bem do que se trata, mas sente sim essa rejeição”, diz Samara Santos.
O preconceito consegue atingir inúmeras camadas da sociedade, a classe social e a cor evidenciam os problemas do Brasil, que é um país desigual e racista. Mostrando o estado de pessoas que vivem à margem da cidade, torna-se autoexplicativo o porquê de muitas crianças negras estarem em condições de vulnerabilidade, abandono, enfrentando orfanatos, centros de acolhimento e varas da infância e juventude.
“Fomos o último país a abolir a escravidão. O racismo é estrutural e estruturante das nossas relações. Ele molda nosso jeito de se relacionar. Então, o racismo atravessa sim o processo de adoção, geralmente idade, tamanho, gênero e doenças também são parâmetros na hora de efetivar uma adoção”, completa Samara Santos.
Quando os pais optam em tirar a restrição de raça no processo de adoção, ocasionando assim na possível chance de crianças negras serem adotadas, evidencia a perda progressiva do pensamento de que, crianças negras estão em uma prateleira e são mercadorias a serem consumidas, das quais não tem mais a obrigatoriedade de cumprir alguns desejos dos pais, como por exemplo, na questão estética, de que seus filhos tenham que se parecer com eles, mas isso não significa que o problema em relação ao racismo no contexto geral desapareceu.
“Olha, quanto ao combate ao racismo, apenas a revolução! Agora sobre a diminuição do racismo no processo de adoção, talvez comissões sobre racismo dentro do judiciário, comissões que acompanhassem esse processo, campanhas a nível nacional, discussões sobre o assunto poderia ser um bom caminho, bem como de incentivo à adoção de crianças. É um problema que tem que ser pensado a nível federal, de governo mesmo. Mas não sei se estão pensando”, diz Samara Santos.
Existe um dano que fica no psicológico dessas crianças que acabam sendo esquecidas na fila de adoção, ainda mais quando o racismo é o fator principal desse esquecimento. Segundo a psicóloga Marisa de Abreu Alves, a rejeição pode desencadear sentimentos como abandono, fracasso, privação emocional, indesejabilidade social, busca por aprovação, pessimismo, etc.
“Existe uma equipe psicossocial que acompanha essa criança durante o processo de adoção. O suporte psicológico é dado, mas muito voltado para o processo e não para um possível sofrimento que o processo possa causar. Em relação ao suporte pelo recorte racial, é muito mais difícil. Infelizmente vivemos no país do mito da democracia racial, pouco se fala em racismo e a psicologia ainda é muito elitizada. Alguns assuntos não são tocados pelos terapeutas. Fora que o suporte psicológico que é dado às crianças não é uma terapia. É apenas um acompanhamento e avaliação mesmo”, completou Samara Santos.
As perspectivas do senso do CNA e da visão de profissionais reforçam que essa questão é reflexo da sociedade em que vivemos e a complexidade desses assuntos em relação aos processos de adoção deve ser tratada como problema público a ser resolvido. Só assim conseguiremos superar o preterimento de pessoas pretas e pardas no processo de adoção.
