Apesar dos estigmas, o rap pode falar sobre sentimentos
Perfil de Fabio Brazza
Por Isabela Pitta Crepaldi
“Eu sou MC, poeta era meu avô”. Com um semblante implacável que esboça a ira de alguém que teve oportunidades negadas pelo mundo, o rapper carrega o fardo de ser forte, revoltado e rebelde perante a injustiça. Não há espaço para a futilidade de sentimentos como o amor, muitos pensam.
Fabio Rebouças de Azeredo é um poeta, compositor e rapper brasileiro que nasceu na cidade de São Paulo em 1990. Mais conhecido como Fabio Brazza, o artista é neto do poeta vanguardista da Poesia Concreta, Ronaldo Azeredo. Apesar do nítido talento para a rima, Brazza negou, por muito tempo, a alcunha de poeta.

Com a ideia de elitização e erudição trazida pelo mundo da poesia, o inalcançável posto de “poeta”, ocupado pelo avô Ronaldo, foi algo que Brazza rejeitou para si mesmo. Entretanto, quando se deparou com o universo do rap, o artista, dentro de seu peito, cantou. Sua rebeldia, suas revoltas e suas críticas se refletiram nas melodias. Acompanhando alguns nomes como Racionais, Gabriel, o pensador e Tupac, Brazza denuncia para o mundo, por meio de suas músicas, as injustiças que nele existem.
Dando continuidade à essência do rap, o artista brasileiro instrumentaliza o gênero para fazer denúncias ao sistema vigente, assim como os demais rappers ao redor do mundo. Em músicas como “Inquilino da Dor” (álbum: “Isso não é um disco de rap”), “Coração Cirúrgico” (álbum: “Rima após a morte”) e “Odin” (álbum: “Colírio da Cólera”), Fabio mostra o peso que o MC carrega como um mediador entre os “infames crimes contra a humanidade” (BRAZZA, “Pangeia”) e os ouvintes.
Entretanto, no álbum “Dias Mulheres Virão”, Brazza decidiu enfrentar o estigma associado ao rap e falar de amor. Com músicas “love songs” e homenagens ao amor materno, ele criou uma produção musical que une o rap (e outros gêneros musicais) à temática do amor.
O processo de construção do álbum foi longo, trabalhoso e desafiador. Abordar o sentimentalismo humano e o universo feminino foi uma aventura nova. De um modo geral, o rap não está atrelado a temas considerados, por muitas pessoas, mais “fúteis” e sentimentais. Por isso, para a a produção musical em questão, Brazza fez um processo de desconstrução. Permitiu-se rimar sobre o ato de amar em seus diferentes significados.
O rap nasceu como uma ferramenta de denúncia e, portanto, é marcado pelas críticas sociais e por temas densos. “E como querer fazer rap e mudar o mundo se, no fundo, eu tinha medo de amar?” (BRAZZA, “Ame, mas lute”). A reflexão sobre a importância do amor, a coragem necessária para falar sobre este e a tradição do rap não abordar essa temática foi o que acompanhou a estruturação das músicas. Cantar músicas de amor, contar como o amor materno é essencial e enfrentar o que o rap, por vezes, deixa de versar.
Em produções passadas, a crítica, a denúncia e a rebeldia foram os assuntos rimados. A inconformidade do artista com o mundo se reflete em suas produções. Em “Isso não é um disco de rap”, álbum lançado em 2020, a revolta é enquadrada nas letras e também nas batidas mais pesadas que dão ritmo às músicas.
Já em “Dias Mulheres Virão”, a essência do disco está no plano sentimental. Mas não deixa as queixas características de suas músicas totalmente de fora.
Depois de cantar, como MC, da ira ao amor, Fabio, por fim, diz “abraçar a alcunha de poeta”. Para além da elitização e do caráter erudita atribuído, de forma errônea, a este posto, Brazza entende que tanto ele quanto o falecido avô são poetas. “Se o meu avô me apresentou a literatura e a poesia, o rap me fez ter vontade de fazer o que faço”. Assim, para ele, o rap foi uma porta de entrada para o mundo da arte com as palavras, que é vasto, diversificado e sem limitações de qualquer erudição, cultura, gênero, tema ou raça.

Com uma carreira rica construída no decorrer dos anos, Fabio, como compositor, poeta e MC revive os ensinamentos do avô, sua primeira inspiração. “Eu vivo o sonho do meu avô. Sou uma continuação do legado dele”. Viver da música e de produções escritas é uma conquista que luta contra o contexto brasileiro, o qual evidencia a falta de investimento e valorização de artistas nacionais. “É muito difícil fazer arte em um país que não valoriza a arte”. Assim, perpassando gerações, o sonho de Ronaldo Azeredo é visto, hoje, em seu neto, Fabio Brazza.
