Por Vincenzo A. Zandoná

O LIVRO
A cozinha pode ser vista como um lugar onde muitas histórias surgiram, onde receitas foram criadas e compartilhadas, e muitas pessoas carregam lembranças sobre ela. Seja durante períodos festivos como o cheiro dos doces que permeiam a casa durante a época do Natal ou um simples almoço na casa da Avó.
Por outro lado, a literatura carrega histórias de amor, de tragédia, biografias, dentre tantas outras ideias. Foi querendo fundir os conceitos acima que algo novo surgiu. “Comida é Memória: 23 histórias de cozinha para aquecer o coração” é o segundo livro da Editora Labrador, escrito por Jane Mary Guimarães Lutti e ilustrado em aquarela pela artista Camilla Mazzonni, amiga ilustradora e influenciadora literária, que partilha de algumas aventuras que a autora relata no livro.
Lançado no dia 9 de maio de 2023, o livro conta através de crônicas isoladas sobre 23 lembranças relacionadas a pratos que a nutriram sua vida, redigindo detalhadamente cada sabor e aventuras relacionadas às refeições. E é claro que o livro não deixaria a todos que o leem passando vontade, as receitas de cada prato estão descritas em uma segunda parte do livro, com ingredientes e dicas de preparo, assim o leitor não ficará apenas “cozinhando” em sua imaginação e pode colocar a mão na massa e criar as suas próprias memórias afetivas com a cozinha.
Como já dito, este é o segundo da escritora, o primeiro sendo “Ensaio sobre a Cozinha Afetiva”, que é um estudo para tentar ampliar o termo “Cozinha Afetiva”, dar um sentido a ele, pois ele é muito rico e amplo. E o segundo ficou com as crônicas como uma narrativa pessoal.
Quando perguntada sobre o processo de passar essa paixão em livros ela conta que foi um processo praticamente natural. “Quando se começa a escrever sobre comida e entender a importância do alimento e tudo que ele permeia, é possível se falar sobre diversos assuntos como o valor emocional, saúde, a política. É tão rico que não tem como não falar sobre comida”.
Para Jane a comida é como se fosse uma poesia. Cada pessoa usa um viés para olhar e pensar sobre a vida e a dela foi a comida. E foi olhando para outros autores e autoras como a Brasileira Nina Horta e a Norte Americana Mary Francês Kennedy Fischer, ambas falando sobre a cozinha, que iam além do compartilhamento de receitas que ela se inspirou para escrever os livros.
A CONTRIBUIÇÃO DAS REDES SOCIAIS
“Foi através das redes sociais e do Gastrolité que costurou-se bons contatos e construindo uma comunidade e foi essencial para que os livros chegassem a todo o Brasil, além de ter contato com mais pessoas e culturas que é a riqueza maior desse trabalho” conta a autora. Então a rede social contribuiu muito para quebrar as “fronteiras”.

O GASTROLITÉ
A marca criada em 2016, juntando Gastronomia e Literatura, é um blog no Instagram onde a autora revela suas paixões por livros, cultura pop e cozinha. E acabou sendo por lá onde ela mantém contato com seus seguidores e divulga as novidades de suas produções e seu dia a dia. Possui mais de 4000 seguidores e 401 publicações dentre homenagens, mensagens, receitas e recomendações da própria Jane!
Segundo ela, o blog foi um projeto final para uma extensão sobre jornalismo gastronômico, no qual era para se fazer uma lista sobre obras da Literatura Brasileira que mencionasse a comida e mostrar como o universo gastronômico se comportava dentro da literatura. “A comida diversas vezes era pano de fundo para uma conversa durante uma cena, ou a roubava completamente dentre as passagens dos livros”.
“Era um projeto pessoal e simples, despretensioso. A ideia era que evoluísse para um portal de notícias sobre a gastronomia, um espaço para que mapear receitas que estavam sendo esquecidas , fazer as pessoas lerem e entenderem mais sobre essa cultura”, ela acrescenta.
O projeto acabou por evoluir e começou um outro mapeamento da literatura, percebendo que a comida era uma maneira de outros autores e escritores se manifestarem. “Não apenas a literatura específica da gastronomia em si, mas a comida na história! A comida que aparecia em alguma cena que evocava algo, como um sorvete sendo descrito para posicionar um dia quente de verão, por exemplo”.

A PAIXÃO PELA CULINÁRIA E O SIGNIFICADO DA COZINHA
Através do livro a escritora deixa bem claro aquilo que seria o maior significado da cozinha para ela, pelas palavras é possível compreender que se trata de um templo, um local que acessa suas energias e serve para meditação. Se a cozinha é um templo, cozinhar se trata de um ritual, enxergar os processos que fazem parte de um prato, desde o começo, pelas mãos do agricultor, passando pelo mercado, até chegar na panela. Nas palavras de Jane, “Entender todo esse processo é ser mais compassivo, empático e seletivo. Quando entendemos o trabalho que dá — para produzir e cozinhar — respeitamos e reverenciamos essas escolhas”.
“Difícil dizer de onde veio a minha paixão pela culinária, ela não nasceu no passado, como uma avó cozinhando, eu não tive essa experiência, mas acredito que ela começou exatamente por esse fator quando eu era criança, eu sentia necessidade de criar esse vínculo a partir da comida, justamente porque eu não tive”. Foi pensando nos sobrinhos que ela quis dar a eles essa referência, criar um ritual com comida, algo que as crianças se lembrassem que essa paixão nasceu. As coisas em sua casa eram simples durante sua infância, e a magia permeia na poesia que essas lembranças trazem, uma receita simples de seu pai acaba por trazer uma enorme reflexão para a autora, em suas palavras, como um vinho de galão e uma macarronada com apenas molho de tomate.
Sua paixão nasceu exatamente por querer deixar algo às futuras gerações, ela reforça que hoje ela vê o quão importante é a paixão pela cozinha e como isso precisa ser um assunto de todas as pessoas, para entender o valor e como isso nos afeta, afinal todo mundo come. Claro dadas as proporções a cada técnica, essas que são o legado de cada chefe de cozinha. “Isso pode nos tornar mais empáticos, afinal a dor da fome é igual a todos, esse é o maior ponto de empatia que temos com qualquer pessoa” Esse é o valor da gastronomia, esse é um dos maiores cernes dessa arte, a arte de cozinhar!

A AUTORA
Escritora, publicitária e jornalista e pós-graduada em Cozinha Brasileira, gestora dos projetos de escrita e culinária como o Escribas Cozinhantes e Editora do Gastrolité. Jane Lutti busca espalhar suas paixões para o Brasil com suas palavras.
