Um perfil da cantora e compositora, que faleceu no início de maio, e que foi uma renovadora da MPB

Por Isabela Sanches Cordeiro

Sessão de fotos da cantora em 1978 (Foto: Reprodução)

Ela foi uma das maiores figuras na música brasileira e sua influência foi marcante na MPB, podendo ser sentida na Tropicália e na renovação do rock nacional. Trata-se da cantora e compositora Rita Lee que faleceu no início do mês de maio, dia 8, aos 75 anos, por conta das complicações de um câncer que foi descoberto em 2021.

Amada e adorada por todos, a ‘Padroeira da liberdade’, como preferia ser chamada, teve uma carreira ilustre e repleta de álbuns que marcaram a história.

O primeiro movimento cultural e musical que Rita participou foi a Tropicália, quando a cantora estava na banda ‘Os Mutantes’. Um dos diversos marcos da Tropicália foi o lançamento do LP de mesmo nome, em 1968, com a participação da própria banda e de outras grandes figuras da música brasileira como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Nara Leão e Gal Costa.

Rita foi a última mulher tropicalista a partir. Sua influência no movimento começou com o lançamento do primeiro LP da banda ‘Os Mutantes’. Com faixas como ‘O relógio’, ‘Senhor F’, ‘Trem Fantasma’ e ‘Ave Gengis Khan’, que foram escritas e interpretadas pelo grupo, é possível identificar a essência da Tropicália, a partir da mistura de sons e estilos, do experimentalismo e da incorporação da guitarra elétrica, que era de origem norte-americana.

Rita, junto de Sérgio Dias e Arnaldo Baptista, expressava muito bem sua musicalidade e genialidade, compondo músicas que são consideradas até hoje relevantes, em grande parte por causa da ‘maluquice’ e unicidade presente nessas composições.

Antes mesmo de lançar o primeiro álbum, a banda e Rita, especialmente, já traziam consigo esse movimento de ruptura. Eram diversos os festivais que Rita vestia roupas e figurinos inusitados, o mais conhecido talvez seja quando Rita subiu ao palco do 3º Festival Internacional da Canção (FIC) vestida de noiva, em 1968. No ano seguinte, Rita retornou ao 4º FIC com o mesmo vestido de noiva, só que agora com um enchimento na barriga, para se fazer de grávida.

Até o ano de 1972, a banda lançou mais quatro álbuns de estúdio, onde pode-se perceber a continuidade dos experimentos feitos na tropicália. Por conta de divergências em decisões sobre o futuro da banda e também por conta do divórcio da cantora com um dos membros, Arnaldo Baptista, Rita foi expulsa do grupo.

Durante esse período de experimentação musical, inovação e ruptura com a clássica MPB, Rita lançou dois álbuns solo de estúdio, ‘Build Up’ e ‘Hoje É O Primeiro Dia Do Resto Da Sua Vida’. É possível perceber uma forte influência tropicalista nesses álbuns, porém, Rita já demonstrava neles que ela tinha um mundo infinito de coisas a oferecer.

Seu primeiro álbum após os mutantes foi lançado em 1974. ‘Atrás Do Porto Tem Uma Cidade’. Mas o que marcou realmente a nova fase da cantora foi o lançamento em 1975 do LP ‘Fruto Proibido’, que estourou com hits atemporais como ‘Ovelha Negra’, ‘Agora Só Falta Você’ e ‘Esse tal de Roque Enrow’. Ambos os álbuns foram produzidos com a banda Tutti Frutti, e exemplificam exatamente a fase mais roqueira da cantora.

Rita e o grupo lançaram quatro álbuns juntos, todos com a essência do ‘Roque Enrow’. Nessa fase, Rita transformou o cenário do rock, trazendo consigo suas bagagens da Tropicália e do mundo afora.

O jornalista e crítico musical Leonardo Lichote afirma que “ela foi uma figura de ponta-de-lança nessa formação do rock, na modernização do rock a partir do que chamam de invasão britânica, a partir do surgimento do rock inglês que é Beatles e Stone. Ela traz essa informação para o Brasil com uma cara brasileira, ela processa isso com a mente de uma mulher brasileira, então ela, por ser muito inteligente e por ter a capacidade de captar aquelas coisas que estavam no ar, conseguiu estabelecer um sotaque brasileiro para o rock naqueles primeiros anos e isso foi consolidado no seu primeiro disco com o Tutti-Frutti.”


O repórter e crítico musical Leonardo Lichote (Foto: Reprodução Linkedin)

O último álbum dessa parceria já contava com a presença de alguém que permaneceria com Rita até o fim da sua vida. Roberto de Carvalho, antes baterista do cantor Ney Matogrosso, se tornou parceiro de Rita tanto no âmbito musical, quanto no âmbito amoroso.

A junção dessas duas genialidades resultou em uma fábrica de sucessos. Rita, nessa fase, não se prendeu a uma só forma de fazer música – não que nas outras ela se prendesse, mas nessa, especificamente, tal característica foi amplificada. Rita escreve em sua autobiografia que seu “rockinho radical virou rockarnaval, tango, bossa, pop, bolero e tal”.

Alguns fãs da época, os mais roqueiros, criticaram essas mudanças de estilos: do rock para algo mais pop. Para Leonardo, os fãs não precisam entender essa mudança, “eles podem reclamar, alguns fãs mais roqueiros na época acharam que ela estava se vendendo ao tocar no rádio, mas ela sempre foi fazendo esse movimento na direção disso, na direção de ser o mais Rita Lee possível. Desde o movimento de sair de casa e se lançar como cantora naquele momento no Brasil, desde esse momento até a morte dela, ela sempre foi na direção do que ela quis fazer, do que ela achava que era ser Rita Lee”.

‘Chega Mais’, ‘Baila Comigo’, ‘Mania de Você’ , ‘Banho de Espuma’ e ‘Cor de Rosa Choque’ são apenas alguns dos inúmeros sucessos dessa fase. As músicas atingiam o topo das paradas e eram trilha sonora das novelas da Globo.

Independente das fases de Rita, ela sempre tratou de assuntos que eram considerados tabus para a sociedade, no entanto, ela os trazia de uma forma tão sábia que nunca foi entendido como vulgar. “Ela sabia comunicar, ela queria chegar nas pessoas, ela não queria chocar e aquele pop que ela produziu, sobretudo com o Roberto de Carvalho, tinha exatamente isso, essa força comunicativa.” afirma Leonardo.

Rita se aposentou dos palcos em 2013 e desde então ela vinha aproveitando o tempo com a sua família e seus animais. No ano de 2021, Rita descobriu um câncer de pulmão e vinha fazendo tratamentos para a doença, ela chegou a compartilhar em abril do ano passado que tinha sido curada, mas que manteria a calma por ser uma doença complicada e por ter a possibilidade de remissão da doença.

Ela passou pelo experimentalismo da Tropicália, pela inovação no Rock, com Tutti Frutti e na junção de tudo e mais um pouco com Roberto de Carvalho. Rita, com sua personalidade atrevida, ‘venenosa’ e ‘mutante’, conseguiu manter seu sucesso por diversas gerações e criou um sentimento de união entre todos que a ouviam.

Referenciando uma frase pichada no muro da casa dos pais da cantora, Rita realmente teve a agilidade do gato e o brilho da estrela.


Pichação feita no muro da casa dos pais de Rita Lee
(Foto: Ana Ribeiro/ Folha de S. Paulo)


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