Marcada por gritos racistas e violência física, a 35ª rodada da LaLiga foi uma perda não só para o Real Madrid, mas também para toda a comunidade negra.

Vini Jr. faz o número dois com os dedos para a torcida, referenciando a segunda divisão (Foto: JOSE JORDAN / AFP)

Por Gabriela Bita

Para Elias Malê, jornalista do Alma Preta, a propagação da violência nos estádios de futebol se inicia ainda na infância. “Quando o pai leva a criança para assistir ao jogo e diz que ali tudo bem xingar, ela entende que naquele ambiente se pode fazer de tudo. Em casa ela não pode falar palavrão, mas no estádio sim. Em casa ela não pode fazer gestos obscenos, mas no jogo sim. E com isso cria-se um ambiente hostil no qual se pode fazer de tudo sem que haja consequências”, diz o ex-assessor de comunicação do Esporte Clube Bahia.

Mas, o que ocorre quando essa tradição patriarcal acaba por ser conivente com o preconceito? No espaço em que, historicamente, tudo é liberado, a imagem do Campeonato Nacional de Liga de Primeira Divisón (LaLiga) fica manchada após um dos dez casos de racismo sofridos por Vinícius Júnior ganhar alta visibilidade nas mídias.

Enquanto era chamado de macaco e levava um mata-leão do jogador adversário, Vini foi expulso do jogo de 21 de maio que ocorreu no estádio Mestalla, na Espanha, contra o Valencia. Após o ocorrido, o atacante do Real Madrid se manifestou nas redes sociais proferindo duras críticas ao Campeonato, as quais foram rebatidas pelo presidente da Liga, em seu perfil, também, do twitter.

No entanto, a postura ofensiva de Javier Tebas foi rapidamente desestabilizada e uma retratação foi feita em público pelo advogado. A partir de seu pedido de desculpas questionável, no qual o presidente parece mais preocupado com os holofotes e a imagem da Liga do que com suas atitudes discriminatórias, é possível entender a fala de Vini Jr. quando este diz que o campeonato, outrora muito prestigiado, hoje é dos racistas.

O jornalista esportivo Carlos Stroker comenta que, sem toda a exposição, o posicionamento inicial de Tebas se manteria o mesmo. “[Ele], provavelmente, não se pronunciaria pedindo desculpas caso não houvesse a repercussão que teve, ele deixaria que tudo passasse e as coisas se acalmassem. A situação não seria mostrada da forma como foi e, se não tivesse repercutido no mundo todo, ele não teria falado nada”, comenta Stroker.

Quando a repercussão negativa se torna positiva

“A gente vê que a melhor forma de conseguir algo é mexendo no bolso deles. A parte econômica fala muito mais alto nesse meio.” Elias comenta sobre a visibilidade mundial ganhada pelo caso e alega que a partir do momento em que as grandes marcas começam a se pronunciar de forma contrária às atitudes da divisão abre-se espaço para a discussão de pautas sociais. “Nenhuma marca quer ser vista publicamente como racista e quando elas começam a se pronunciar, a cortar patrocínios, é aí que eles começam a perceber que há algo de errado”, diz Malê.

Dessa forma, a partir do reflexo negativo em meios de alta influência midiática e econômica, cria-se um impacto positivo na sociedade referente à discussão do racismo. Para Stroker, esse é justamente o motivo pelo qual deve-se continuar falando abertamente sobre o ocorrido e trazer à tona a discriminação presente no futebol. “No futebol é muito difícil, a discriminação e o racismo são uma pauta muito importante. Você vê muitos jogadores pretos e quase nenhum treinador e muito menos dirigentes, e mostrar isso que aconteceu é o ponto inicial para começar a mudança”, comenta o argentino.

De Vini Jr. jogador à Vinícius indivíduo

“Se cinco desses quarenta mil encontrassem Vinícius na rua, nem dois teriam coragem de olhar na cara dele e o chamar de macaco”. Elias comenta que o efeito manada no campo é muito mais forte e que basta que um torcedor inicie o cântico preconceituoso para que vários o sigam.

Afinal, no lugar em que eles podem extravasar e expor todos os seus pensamentos primitivos e preconceituosos sem que haja consequências, é fácil se unir e deixar que aquilo que eles escondem da sociedade floresça.

Apesar do camisa vinte do Real Madrid ter uma grande rede de apoio dentro de seu clube, ainda não é suficiente para a luta do jogador e de todas as pessoas pretas que sofrem o mesmo diariamente. De acordo com o jornalista do Alma Preta, é preciso aumentar e solidificar esse suporte, o qual deve partir, principalmente dos demais jogadores pretos dos outros times Espanhóis, pois, “se não lutarmos por nós mesmos, ninguém mais vai. Eles devem se impor, os próprios jogadores pretos do Valencia poderiam ter feito algo. Só vamos chegar em algum lugar se nos unirmos.”, afirma Malê.

Para Carlos, a presença de Vini no time é essencial para que a luta continue acontecendo e medidas sejam tomadas. “Ele deve continuar a ser abraçado e apoiado por toda a equipe e, permanecendo onde está, ele será capaz de lutar contra essas pessoas”, diz o jornalista.

Foto: Reprodução/Instagram @vinijr

Elias reflete que, se fosse o jogador, sairia do time visando a saúde mental e integridade do atacante. “Mesmo com todo o suporte passar por esse tipo de agressão, várias vezes como Vinícius vem passado, acaba com a pessoa aos poucos, por mais forte que ela pareça estar”. Para ele, não há Vini Jr. jogador sem Vinícius Júnior indivíduo e, ser discriminado periodicamente por fazer nada menos do que ser um dos melhores em sua posição deixa marcas que podem nunca cicatrizar.

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