Em luta por direitos trabalhistas, autores que trabalham para os principais estúdios de cinema dos EUA paralisam a produção audiovisual

Em 2007, os Estados Unidos foram surpreendidos pela greve dos roteiristas. A fim de garantir seus direitos, o Sindicato dos Roteiristas (WGA, sigla em inglês) optou pela paralisação completa de seu trabalho em Hollywood. Produções como séries de televisão e talk shows foram interrompidas durante 100 dias – o tempo que a greve durou -, o que causou, no fim, um impacto de 2 bilhões de dólares na economia hollywoodiana e afetou 38 mil trabalhadores.
Dezesseis anos depois, a situação é similar: no dia 02 de maio de 2023, roteiristas de cinema e televisão entraram em greve após seis semanas em negociações com a Aliança dos Produtores de Cinema e de Televisão, que representa empresas como a Netflix e Warner Bros. Discovery.
Para Marina Rodrigues, produtora executiva focada em políticas públicas no audiovisual, a greve atual aparenta ser mais alarmante se comparada à paralisação de 2007. “O mercado audiovisual enfrenta um inimigo muito pior do que 2007, porque hoje precisamos lutar contra os conglomerados que se formaram e a influência das Big techs dentro do audiovisual. Essa greve é muito pior [em relação a de 2007], na minha opinião vai durar mais de 100 dias”.
Além disso, a falta de fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas desse setor contribui para a permanência da greve. “A regulamentação dos streamings pesa muito nesse relacionamento abusivo [entre os roteiristas e Hollywood], visto que não há mais um contrato assinado com a empresa para você prestar serviço, então os seus direitos mínimos não são garantidos”, diz a produtora.

A greve dos roteiristas, a longo prazo, afeta diretamente a realização e o término da produção das obras culturais. “O cinema e a televisão são amplamente afetados porque você precisa do roteiro para dar início a qualquer produção audiovisual, seja ela um filme ou um talk show, conforme os dias da greve vão passando, cada vez mais as obras são canceladas pela falta de mão de obra e/ou são adiadas”, reforça Marina.
A bacharel em Cinema ainda aponta o que pode ser feito caso o problema não seja resolvido. “Acho que um acordo pode chegar nos últimos meses do ano, pois é quando o impacto financeiro vai ser sentido por já não ter mais muitas obras para serem lançadas. Com isso, aposto em uma possibilidade maior de aquisição de outros títulos para colocar no lugar, como séries muito queridas pelo público ou ainda programas de variedades que ainda não foram vistos no streaming”.
Outro fator crucial para entender a seriedade dos protestos dos trabalhadores de Hollywood é o modelo atual de lançamento escolhido pelos streamings. Nele, é estimulada a produção de inúmeras séries e filmes em um curto período, desde a sua produção interna até a divulgação. “O modelo atual é o pior de todos: por conta do binge-watch, o consumo de séries é rápido porque as redes sociais dão spoilers, então é preciso que você veja o quanto antes. Assim, você diminui a carga horária de trabalho do roteiro também na construção da própria história, pois o público irá optar por narrativas rápidas, que não demandam uma compreensão maior”, acrescenta a dona do projeto SimplificandoCinema.
“As salas de roteiro são muito menores devido à diminuição do número de episódios produzidos, além disso não há mais a liberdade do roteirista de contar a sua história. Muitas vezes nos núcleos de criação há pessoas que trabalham com a plataforma dando opiniões no roteiro, apenas em alguns casos – como o do criador de Game of Thrones – em que é priorizada a criatividade do roteirista”.
Com esse relato de Marina, observa-se que a importância do roteirista, no que diz respeito à decisão criativa do seu projeto, pouco importa, uma vez que as empresas de streaming infelizmente priorizam a entrega – muitas vezes incompleta e rasa – de obras que, se fossem abordadas corretamente, teriam uma maior longevidade no boca a boca dos telespectadores.
Para entender a gravidade do impasse na resolução da greve dos roteiristas, é preciso ficar de olho nos residuais: “eles nada mais são que uma taxa a vir ser paga pela reexibição de títulos ou ainda no licenciamento da obra para outras plataformas ou canais. Isso significa que a cada exibição daquela série ou filme, os autores responsáveis por ela ganham em cima disso”, comenta Marina.
Nesse sentido, aliás, ela ressalta a importância do pagamento dos residuais aos roteiristas. “Este dinheiro é uma garantia de continuidade do trabalho, pois muitas vezes você inicia um novo projeto e pode demorar um tempo para ser compensado por aquilo, sendo assim, os residuais garantem que você não precisa correr atrás de outros ‘freelas’ para ter renda, algo que pode atrapalhar até mesmo a qualidade final do roteiro”, finaliza a produtora.
Após a análise das últimas semanas da greve dos roteiristas, é imprevisível prever o seu encerramento. No entanto, espera-se que, tanto para a certificação dos direitos trabalhistas dos criadores de narrativas quanto para o funcionamento da indústria hollywoodiana, o cenário atual não se torne algo recorrente no mercado audiovisual, pois é ele que permite o desenvolvimento da cultura de um país.
