O comportamento hostil das torcidas compromete o futebol enquanto espetáculo. O ex-jogador Carlos Lima conta sua experiência com as agressões sofridas no estádio

Por Miguel Lima

O futebol é uma das grandes fontes de entretenimento e cultura no planeta. Produz espetáculos, trazendo jogadores famosos e momentos eternizados no esporte, proporcionado copas do mundo, olimpíadas e diversos campeonatos intercontinentais que unem as nações. Movimenta jogadores, técnicos e principalmente capital e tem grande papel social no mundo.

Mas o esporte não se define apenas em esporte, ele move torcedores e famílias ao redor do globo, criando tradição e principalmente paixão.

As torcidas são um dos pilares do espetáculo que constitui o futebol e sua influência para o esporte é imprescindível. Mas o comportamento dos torcedores pode proporcionar a melhor atmosfera nos estádios, mas também a pior.

Cada vez mais é visto e documentado agressões de todos os tipos por parte das torcidas, mas os jogadores também sofrem com tais atos.

“Vivi agressões de torcedores, tanto do time rival quanto do time que joguei. Nós fomos lá e acabamos vencendo. Não podíamos sair de campo porque eles jogaram pedras e paus em nós, nos ofenderam verbalmente. Uma das pedras atingiu um amigo nosso, ele era do time, e foi constrangedor. Tivemos que chamar a polícia para podermos deixar o campo. Então, sim, aconteceu assim. A polícia nos escoltou até sairmos da cidade”, explica o ex-jogador do São Bento, Carlos Lima.

Agressões estão acontecendo por todos os países nos mais diversos campeonatos, desde invasões de campo na Espanha, até objetos atirados em jogadores na Holanda, mas não é preciso ir longe para achar um comportamento agressivo por parte das torcidas.

“Eu jogava em um time do interior paulista. E sempre que jogávamos contra um time rival, que era muito próximo, o campo era muito apertado e o muro ficava muito perto da lateral do campo. E eu jogava como lateral-direito na época. E os torcedores do outro time ficavam com um pedaço de pau na mão, e quando você se distraía, tentavam nos bater com os paus, tentando nos machucar e nos intimidar. Foi muito decepcionante. Sempre que íamos lá, sabíamos que enfrentaríamos esse tipo de situação. Mesmo sabendo disso, tínhamos que ir, porque era um compromisso que tínhamos feito. E sempre com a insegurança, a incerteza se faríamos um jogo bom ou não, mas iríamos entrar em campo com medo”, relata Carlos.

Mas esse não é um comportamento exclusivo de torcidas rivais. Há toda uma expectativa dos torcedores acerca da performance dos jogadores, e nem sempre é recompensada com uma “boa” partida. Aquilo que se espera dos profissionais em campo é qualidade de jogo, mas até as cobranças exageradas e sem limites dos agressores podem atrapalhar o desempenho dos atletas.

“Quando fomos ameaçados pelos nossos próprios torcedores de ganhar um jogo, você entra com essa obrigação e erra muito. Por que? Porque a angústia, o medo te faz errar. Então, sim, não o fizemos jogar melhor. Pelo menos não fiquei com vontade, dei o meu melhor para agradar a torcida”, explica Carlos.

Além de agressões físicas e verbais, há ainda um tipo que está enraizado no futebol, a racial. O racismo é estrutural na sociedade assim como no esporte, e traz questões extra-campo para dentro dos estádios de todo o mundo, sendo um ambiente onde racistas se sentem livres para proferir as maiores ofensas a arbitros, tecnicos e jogadores.

“Sendo um jogador negro na época, o racismo aconteceu e como aconteceu. Foi a coisa mais natural de acontecer. Principalmente eu e alguns integrantes do time, sofremos esse tipo de racismo, gritado por torcedores, torcedores chamando de macaco e outras coisas. De qualquer forma, foi triste. Mas sim, aconteceu racismo, até dos jogadores adversários. Eles passavam por nós e nos chamavam de macacos. Então foi muito frustrante, mas na época nem se falava, era mais do que normal. O adversário, ou mesmo o árbitro, era motivo de racismo”, relata Carlos.

A impunidade é o que alimenta o mau comportamento das torcidas, deixa o campo livre para as agressões tirarem o protagonismo daqueles que realizam o espetáculo, os jogadores.

“O quanto o esporte pode mudar o comportamento dos torcedores? Sim, pode mudar. Mesmo que os times fossem punidos por seus torcedores, o que eles fizeram, o time sofreria punição, acredito que funcionaria assim. Porque na Inglaterra, alguns anos atrás, a agressão era muito natural entre os torcedores. Até então, quando alguém levava a sério, fazia a mudança acontecer. Hoje, a equipe é responsável pelas ações de seus torcedores. Tanto que mudou. Hoje é um dos campeonatos mais bem organizados e reestruturados do mundo”.

Carlos acredita que esse comportamento pode mudar, se houver vontade para isso. “Quando eles realmente querem fazer algo, eles podem. Infelizmente no Brasil, como na maior parte do mundo, o patrocinador dita as regras de quando, como e onde. Então, os times do Brasil estão sujeitos a tudo. Os times não sofrem consequências, sejam torcedores, brigas ou coisas assim. O racismo, então, torna-se mais explícito”, conclui.

reprodução: Globo Esporte

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