Doutora em estudos literários aborda o mundo contemporâneo e a influência literária nele presente

Por Isabela Pitta Crepaldi

Dia primeiro de maio não é só o Dia do Trabalho, mas também o Dia da Literatura Brasileira, devido ao aniversário de José de Alencar. Para comentar sobre o tema, convidamos a professora Mariana Copertino, doutora e mestra em estudos literários pela Unesp.

Mariana Veiga Copertino é professora de literatura formada pela Unesp em letras com habilitação para ensino de português e alemão e trabalha com pesquisa e ensino de literatura há 14 anos. Com mestrado e doutorado em estudos literários pela Unesp, Mariana sempre quis ser professora e, desde os dez anos de idade, soube que queria ser professora de língua portuguesa. Quando estudante universitária, se identificou com a literatura e, apesar de ter experiência como professora de gramática e redação, se especializou na esfera literária.

Mariana, doutora em estudos literários – Via Instagram

Na entrevista a seguir, ela fala sobre a importância da literatura brasileira atualmente.

Jornal Contexto: Dia primeiro de maio é o Dia da Literatura Brasileira devido ao aniversário de José de Alencar. Você acredita que é dada a devida importância a tal data “comemorativa”?

Mariana Copertino: Não, eu acho que não é dada devida importância para literatura brasileira nem para ideia de literatura aqui no Brasil. Mesmo o dia da literatura brasileira, que é comemorado no dia primeiro de maio, a gente não se vê falar muito sobre isso. A gente pensa, no dia 1º de Maio, até no feriado que tem no dia de trabalho, mas o dia da literatura brasileira mesmo não é celebrado. Passamos por outras datas comemorativas, como o dia da língua portuguesa, o Dia Mundial do Livro e do autor, em abril. Elas não são celebradas e em espaços onde elas deveriam ser celebradas: dentro das escolas, dentro das Universidades e em centros culturais. Então eu acho que não é dada devida importância. Acho que a gente negligencia a literatura brasileira como parte dessa construção identitária que a gente tem e acredito que isso seja uma construção histórica no Brasil.

Jornal Contexto: Como você vê a literatura brasileira hoje? Qual a tendência mais marcante da literatura feita hoje?

Mariana Copertino: Eu gosto muito do que eu tenho visto na literatura brasileira hoje. Eu tenho acompanhado alguns autores mais novos e eu tenho percebido que as tendências da literatura brasileira, nesse momento, pensando em 2023, são tendências de dar voz. Eu tenho sentido uma representatividade muito grande na produção literária que a gente tem visto no Brasil nos últimos anos. No período de 2020 a 2022 a gente teve muita produção, muitos textos literários, contos e romances ligados à realidade da pandemia, à realidade do isolamento que a pandemia trouxe. Então é um momento da literatura em que a gente olha para dentro de si. Uma coisa mais introspectiva. Essa reflexão do afastamento, das privações. Mas eu acho que o que tem me chamado mais a atenção é a gente ter identificado cada vez mais publicações literárias de pessoas pretas, da comunidade LGBTQIAP+, de indígenas, de mulheres. Eu sinto que há um espaço para essa questão, para a representatividade. Então eu sinto que os caminhos que a literatura brasileira está trilhando hoje é um caminho de representatividade. É de fato o que a literatura nasceu para ser. Literatura é a expressão do seu tempo e já é tempo de todas essas vozes serem ouvidas. É para isso que eu olho. Essa realidade então é uma literatura que dá voz e isso me atrai muito.

Jornal Contexto: Que autores brasileiros você destacaria para quem quer descobrir a literatura nacional?

Mariana Copertino: Lygia Fagundes Telles, Inácio de Loyola Brandão, Clarice Lispector (contos), Conceição Evaristo, Ariano Suassuna, Dias Gomes, Jorge Amado, Cecília Meireles, Érico Veríssimo, Dalton Trevisan e Carolina Maria de Jesus.

Jornal Contexto: Você acredita que o jovem de hoje tem maturidade para entender a obra de Machado de Assis?

Mariana Copertino: É difícil dizer se tem maturidade ou não tem, mas eu tenho sentido mais ,nos últimos anos, a falta dela e eu não sei se é maturidade literária, maturidade como leitor, se é o hábito de leitura que eles não têm mais e isso torna a literatura canônica um pouco mais desgastante e desinteressante para o jovem. Enfim, eu tenho sentido muita dificuldade desses alunos para lidar com a obra canônica e por duas razões: primeiro a gente tem visto um aumento do desinteresse da Leitura que daí não tem a ver com a literatura como produção artística, mas tem a ver com o incentivo ao ato de ler. A segunda questão que é o imediatismo. Ler é uma ação que exige concentração, tempo e dedicação. E a gente vive uma geração, desses jovens de hoje, que são de uma geração que é muito acelerada. Para eles é tudo imediato. E uma outra questão que distancia ainda mais o jovem de hoje da literatura canônica, desses clássicos é a linguagem. É uma linguagem que está muito distante da deles. O jovem não cria identificação e sem criar essa identificação, ele não tem interesse por ler essa literatura clássica.

Jornal Contexto: Qual sua opinião sobre o fenômeno dos BookToks?

Mariana Copertino: Eu não sou uma pessoa muito inserida no universo do Tik Tok, eu não conheço muito esses BookToks, mas eu ouço falar. Eu acho que tudo aquilo que pode ser visto como um estímulo a literatura é bem-vindo. Das redes sociais, o Tik Tok é uma rede social que está diretamente atrelada a essa coisa do imediatismo. É uma plataforma de vídeos curtos. Eu vejo um lado positivo na divulgação e na criatividade da maneira de despertar o interesse, nesse tentar pegar, dentro daquele gênero, um vídeo que toque a pessoa e consiga trazer o contexto literário para falar sobre isso. Então acho bacana. E ao mesmo tempo me preocupa pensar que alguém fala de literatura em 30 segundos, em 3 minutos, porque acaba me dando uma sensação de que talvez aquilo seja muito reducionista ou seja muito facilitador.

Jornal Contexto: O que você acha da adaptação de obras literárias para quadrinhos?

Mariana Copertino: Eu adoro a história em quadrinho. Acho que é um gênero incrível de se trabalhar e de se ler também. A gente tem um apelo do visual que dá uma facilitação para nossa absorção da história. Enxergar aquilo é muito mais próximo do áudio visual, do cinema, da série. É um gênero muito maravilhoso, mas na adaptação das obras clássicas muito se perde, porque é outra linguagem e tem coisas que, nesse processo de transposição, acabam se esvaindo. Acaba tendo uma dinâmica muito parecida com a transposição do texto literário para o cinema, por exemplo, adaptações de livros. Muita coisa fica de fora. Acho que a gente deve olhar pra história em quadrinho como uma nova obra, outro texto literário inspirado naquele, mas que é outra coisa. Então dessa maneira eu gosto muito. O processo de adaptação de obras literárias para as HQs como uma forma de substituição da leitura do texto original, eu já não gosto tanto, na verdade. Acho que nenhum meio que a gente encontre para tentar substituir vai dar certo, não vai ser legal, nunca vai substituir o original.

Jornal Contexto: As comunidades periféricas hoje têm feito muita produção cultural. O que você acha dos eventos e festivais literários (saraus, feiras) que ocorrem na periferia?

Mariana Copertino: Eu acho a coisa mais maravilhosa do mundo, sempre que eu posso eu vou. Eu gosto muito e acho que é um grande estímulo para produção literária. Quando a gente fala de literatura, a gente pensa nos clássicos, nesse pedestal literário, quando, na verdade, a literatura é parte da identidade de um povo, ela é parte da construção da identidade. Existe literatura antes mesmo de existir escrita, então a manifestação literária em outras formas de linguagem tem tudo a ver com a construção da identidade da periferia e eu acho lindo ver o trabalho de rima, de métrica que se faz, por exemplo, numa batalha de rimas, num Slam. Outra questão a literatura periférica é a representatividade. Inclusive editoras que são da Periferia que são especializadas e criadas lá dentro. Não tem nada mais autêntico do que isso. Falar dessa realidade e olhar para o rap, para o Hip Hop, para o grafite para as formas de arte que são da cultura da rua, da cultura Urbana. Isso é uma manifestação cultural fundamental. Acho que contribui muito para esse espaço, porque a literatura é de todo mundo. Ela é para todos nós. Então quanto mais acessível ela se torna, mais poético. E aí ela está na sua função de verdade, que é expressar a realidade, a vida, a essência e o pensamento social do seu tempo.

Jornal Contexto: Quais são alguns autores contemporâneos brasileiros que você acredita contribuírem para a literatura hoje em dia?

Mariana Copertino: Itamar Vieira Junior, Aline Bei, Mariana Salomão Carrara, Paula Fábrio, Carla Madeira, Jeferson Tenório e Amara Moira.

Jornal Contexto: Qual a importância da literatura na vida das pessoas?

Mariana Copertino: É absoluta. Eu acho que uma das coisas mais importantes que a gente pode ter é a literatura. Ela é Refúgio. Ela é conforto. Assim, é na literatura que a gente encontra, não só uma identificação com aquilo que a gente vive no nosso tempo, mas um jeito de entender como a gente chegou até aqui. A literatura como manifestação, como expressão da sua época, não só da nossa, mas de outras épocas. Ela que vai permitir que a gente tenha sensibilidade para entender o lugar do outro, que vai permitir que a gente tenha noção histórica de coisas que foram realizadas antes de todo o processo. A gente tem esse olhar anacrônico para pensar obras do início do século XX, por exemplo, ou até antes do período colonial no Brasil, a gente olha com o olhar de hoje. E a literatura permite que a gente faça isso, que a gente esteja nesse lugar, de estar aqui e entender como chegamos aqui. Entender a linguagem como forma de resistência, como instrumento de luta. Tudo que que é possível fazer com a linguagem como matéria-prima da expressão da essência das pessoas. A gente consegue se colocar num texto literário e o leitor consegue se identificar com a gente através dele. Então a literatura ela tem essa carga de subjetividade que faz a gente ser tocado por ela, por isso que ela é arte. A Arte da palavra para escrever bem, para falar bem, para ser uma pessoa melhor. A literatura contribui para tudo isso. Então é uma pena que ela não tenha tido a importância que merece. Para que a gente tenha senso e para que a gente seja um leitor crítico não só leitor do texto literário, mas leitor de mundo, leitor do nosso contexto, leitor da nossa história, da nossa vida. A importância da literatura é total, é absoluta.

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