Conhecida pela grande quantidade de milionários, metrópole asiática impõe obstáculos a seus próprios cidadãos na garantia de uma vida plena
POR ISABELA GIRO

Por trás da fachada moderna de Hong Kong, as luzes cintilantes e os gigantes arranha céus de vidro desviam o olhar estrangeiro da realidade que assola a camada socialmente vulnerável em um dos maiores centros econômicos globais.
Em meio às notícias do início da estagnação demográfica chinesa e o restante do continente asiático, é notável o acentuado descompasso entre a infraestrutura presente nesses países e o contingente populacional que eles devem comportar, principalmente em função do processo natural de envelhecimento demográfico.
Estima-se que até 2050, cerca de 42% dos cidadãos de Hong Kong – que hoje somam quase 7,5 milhões – estarão na faixa etária de 65 anos ou mais. Esta marca transformará a ilha na capital mais idosa da Ásia, um cenário para o qual o seu governo não está preparado.
Apesar de Hong Kong contar com um modelo de contribuição previdenciária obrigatória, a assistência oferecida pelo governo mal cobre os gastos essenciais em uma das capitais mais caras do mundo, e força idosos a procurarem outras formas de completar sua renda mensal para sobrevivência.
Segundo a ONG Sociedade para a Organização da Comunidade de Hong Kong, por volta de 85% dos idosos de Hong Kong não possuem qualquer tipo de aposentadoria. Enquanto isso, 1 a cada 8 idosos trabalham.
Atualmente, o salário mínimo está estacionado em 40 dólares de Hong Kong por hora, cerca de US$ 5,1. O aluguel médio de um apartamento com um dormitório gira em torno de 14.345,61 a 19.830,18 dólares de Hong Kong, algo entre US$1830,58 e US$2530,40. Isso significa dizer que somente para pagar o aluguel de um dormitório, uma pessoa que ganha um salário mínimo precisaria trabalhar ao menos 12 horas por dia, sem considerar gastos de alimentação, transporte e outros custos básicos.
Em um território onde 75% das terras são desabitadas em função do relevo montanhoso e de áreas de proteção ambiental, os fragmentos restantes de terras espalhados pela ilha de 1.114 km² são intensamente disputados, e por isso demandam o processo de verticalização das cidades para otimizar o pouco espaço disponível.
Tal situação é agravada pela livre especulação imobiliária condicionada pelo sistema de concessão de terras vigente na capital asiática. Em Hong Kong, todo território está sob posse do governo e, para a construção dos enormes edifícios característicos da capital, são realizados leilões de valores astronômicos para o arrendamento das terras. Esses, por sua vez, em um clássico exemplo da lei da oferta e procura, são responsáveis pelos altos valores finais dos imóveis.
Isso faz parte de uma estratégia do governo de Hong Kong para manter os impostos baixos e consequentemente atrair capitais estrangeiros. O que, por um lado, garante benefícios ao liberalismo econômico do país, mas, por outro, torna-se um pesadelo na vida da camada mais pobre da população.
Felipe Durante, engenheiro brasileiro que mora na China – e residiu em Hong Kong por dois anos – fala sobre a capital em vídeos disponíveis em seu canal do Youtube. No vídeo intitulado “Estevam no lado obscuro de Hong Kong”, Durante reage a um diário de viagem sobre Hong Kong e comenta algumas concepções precipitadas sobre o lugar.
“Isso é resquício do Império Britânico, não é de agora”, aponta Durante sobre o sistema de leilões, e completa: “[em Hong Kong] não dá para comprar terra, só alugar, por 50, 70 anos”.
Nesse contexto, surgiram as moradias em gaiola: apartamentos divididos em cômodos minúsculos, onde várias pessoas habitam o mesmo espaço com pouca ventilação e quase nenhuma luz natural, separadas apenas por barras de metal que abrigam suas camas e poucos pertences pessoais. Em meio a crise de ocupação do espaço urbano, o custo reduzido desses cômodos pouco menores que uma vaga de estacionamento, tornaram-se a saída da população mais pobre. É desse jeito que mais de 200.000 pessoas vivem em Hong Kong nos dias de hoje.
Felipe Durante também afirma que as casas gaiolas não são realidade apenas de Hong Kong, pois também aparecem em Cingapura, Japão e outros países asiáticos.
“As pessoas moram num aperto assim por causa da forma como o Império Britânico começou a gerenciar as terras para ganhar mais dinheiro”, diz.
Assim, enquanto uma parcela mínima da sociedade honconguesa lucra milhões com o setor de construção civil, a maior parte dos habitantes lida com custos de vida abusivos, os quais empurram uma população cada vez mais idosa para a situação de economicamente desamparada.
