Conheça a história do professor João Paulo Martins, diagnosticado como autista e que ministra aulas de Filosofia na FAAC/UNESP e Psicologia na FIB, em Bauru
Por Vinícius Lozano
O termo inclusão está presente no vocabulário de todos, tendo como principal objetivo tornar a sociedade mais acessível, respeitando diferenças, particularidades e especificidades. Quando falamos de inclusão em sala de aula, a primeira coisa que pensamos é como inserir um aluno com algum tipo de transtorno ou deficiência em meio aos demais, sem que ele se sinta excluído ou perca oportunidades de aprendizado eficiente, adaptando o ambiente a essas características particulares.
O que esquecemos é que a inclusão não deve ser pensada apenas para o aluno, mas também para outros membros das instituições de ensino. Infelizmente, em nosso sistema educacional vigente, as aulas se limitam a conteúdos expositivos em um ambiente de sala de aula. Existem diversos tipos de transtornos e doenças aos quais todo o ambiente educacional deve ter a capacidade de se adaptar para gerar uma educação efetiva, não apenas em sala de aula. Um desses transtornos, por exemplo, é o Transtorno do Espectro Autista (TEA), considerado uma condição invisível.
De acordo com o Manual de Atendimento a Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, montado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “um ambiente inclusivo aos autistas abrange comunicação efetiva, antecipação e previsibilidade, acomodações sensoriais e estratégias para situações difíceis ou delicadas”.
A Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) considera o autista pessoa com deficiência para todos os fins legais, exigindo que ambientes estejam preparados para receber pessoas dentro do espectro. Também dentro dessa lei foi criada a CIPTEA – Carteira de Identificação da Pessoa com TEA, com o objetivo de “garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados”.
As características principais do TEA são déficit na comunicação social e no comportamento, além de, em alguns casos, sensibilidade sensorial, gerando desconforto, culminando talvez em ataques de epilepsia, por exemplo.

Autista (TEA).
“Sempre tive dificuldade, não só como docente, mas como graduando. Já aconteceu de eu sair de uma aula com febre, e nunca entendi o porquê”, diz João Paulo Martins, 34, professor universitário nas áreas de Filosofia e Psicologia, que descobriu há quatro anos que está dentro do espectro autista. Atualmente, defende o doutorado sobre “TEA: aspectos concernentes ao mercado de trabalho, vivências organizacionais e inclusão”. O professor conta que, no seu caso, a questão sensorial está presente, fazendo com que ambientes lotados ou com muitos barulhos e cheiros o sobrecarreguem.
João informa que todas as instituições de ensino em que trabalha foram acolhedoras e se mostraram disponíveis para qualquer adaptação ou alteração que ele precise. Porém, a maior parte do seu tempo dentro das universidades é em sala de aula.
“Dependendo da sala que eu for dar aula, eu levo um ‘kit de sobrevivência na selva’. Antes de ir eu dirijo com abafador auditivo, para não ter uma sobrecarga sensorial”, complementa.
O professor relembra também coisas “simples” que o incomodam, como barulhos de embalagens de salgadinhos e bolachas ou perfumes fortes. “Muitas vezes eu tenho que andar de um lado para o outro na sala. Quanto mais você anda, mais o pensamento foca, porque com os cheiros eu acabo me desfocando. Além disso, uma sala com muitos alunos próximos não é nada convidativa”.
Além das adaptações nas instituições que trabalha e a compreensão do que o faz mal, JP, como é chamado, também cita seu cachorro. “O Tomás é uma forma de inclusão eficiente para mim. Só consigo ir ao shopping com ele”, diz, referindo-se ao seu cão de apoio Tomás, um Pit Monster treinado para situações sociais nas quais seu dono pode ter um ataque de epilepsia. Também reforça que hoje entende as situações que podem ser desconfortáveis e locais onde ele pode ter uma sobrecarga.

Em diversos momentos, o professor demonstrou muito apreço por estar em sala de aula apesar de ser um ambiente que se pode mostrar hostil. Começou sua docência antes do diagnóstico e, mesmo depois, decidiu manter sua função. Questionado se já pensou em desistir, disse que “pensa sempre”, porém, defende que o ambiente acadêmico proporciona para ele uma forma de agir, pensar e transmitir conhecimento que outros espaços dificilmente conseguiriam.
A caminhada até um entendimento completo de que existem pessoas diferentes de nós, e que, mesmo sendo minorias, não podemos excluí-las, é longa. Contudo, são professores como João Paulo e discussões acerca dos temas que nos torna pessoas com mais compaixão e interessadas em como podemos cada vez mais entender quem que está sentado ao nosso lado, ou como nesse caso, em frente à sala, nos ensinando.
Link para download do Manual: https://www.cnj.jus.br/agendas/seminario-de-apresentacao-manual-de-atendimento-a-pessoas-com-transtorno-do-espectro-autista/
Lei Berenice Piana: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm
