Entenda as nuances do gênero que conquista fãs todos os dias e desponta na lista dos classificados de todas as plataformas de streaming.
Por Julia Moura
Estreou no último dia 4 de maio a mais nova versão do programa Linha Direta, que aborda crimes reais e se aprofunda em casos que marcaram o país. De acordo com o UOL, serão abordados dois casos por programa. A temporada 2023 terá dez episódios com histórias sobre assassinatos, violência, feminicídio, racismo, LGBTfobia e crimes digitais.
A retomada do programa representa uma nova tendência entre as produções audiovisuais: o True Crime, gênero que vem conquistando milhares de telespectadores pelo Brasil e pelo mundo.

O ator Evan Peters interpretou o criminoso Jeffrey Dahmer na série “Dahmer: Um canibal americano” (Foto: Arquivo NETFLIX/Divulgação)
Tal como no Linha Direta, as produções do gênero True Crime, sejam elas podcasts, filmes ou séries, examinam um crime real e destrincham seu contexto e os acontecimentos que precederam e sucederam o caso.
Para Paula Febbe, escritora e psicanalista criminal, com experiência na área do horror e em produções True Crime, parte do sucesso do gênero está atrelado a uma tentativa de autoconhecimento.
“A minha geração talvez tenha sido a primeira geração a ir fazer terapia. A tentar ter um conhecimento melhor sobre quem a gente é, [sobre] como a gente se sente”, comenta. “Então eu acho que isso levou a gente a tentar entender o outro de uma maneira muito mais profunda, e também acho que tem a ver com a nossa tentativa de conhecimento também, de conhecimento de nós mesmos”, finalizou.
Por outro lado, Febbe ainda relembra a pandemia, que segundo ela, foi outro fator determinante para o sucesso do gênero nos últimos três anos.
A constante ameaça de um inimigo “invisível”, impossível de ser pego ou controlado, – pelo menos até a criação das vacinas – , era contraposta com um inimigo humano. Preso nas telas, aqueles criminosos representavam, para muitos, uma ameaça que possuíam o controle que lhes faltava, aspecto que pode explicar o ápice do sucesso das produções True Crime no período do isolamento.
O público feminino e a psicanálise do True Crime
Segundo a Civic Science, mulheres são as que mais consomem podcasts de true crime, proporção que se repete em filmes, séries e livros do mesmo gênero. Sob o olhar da psicanálise, Febbe acredita que o consumo desse conteúdo esteja atrelado a um mecanismo de defesa por parte do público feminino.

A escritora Paula Febbe ao lado de seu livro “Carniça” (Foto: TWITTER/Divulgação)
“Acredito que, vendo mais True Crime, a gente fique mais atento. Falando sobre as mulheres, imagina como é para gente assistir tanto True Crime inserida na sociedade que a gente tá. De alguma forma, o jeito que o patriarcado se coloca, o jeito que a gente se sente ameaçada, de uma forma, ou de outra, isso faz com que a gente consuma mais True Crime também, porque é um jeito da gente se proteger”, explica a psicanalista.
“Não só de quem é aquela ameaça visível, do cara que pode chegar e fazer alguma coisa, mas também desse sentimento de que a gente tá sempre em desvantagem, de alguma maneira“.
Idolatria de criminosos e a romantização
“Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal”, filme de 2019, mostra, sob o ponto de vista da esposa de um dos serial killers mais procurados dos Estados Unidos, o processo de seu julgamento e a popularidade que o caso ganhou. O filme foi alvo de inúmeras críticas, principalmente voltadas para o tom carismático dado ao protagonista, que inclusive viralizou nas redes sociais.
“Falava muito sobre o fato de ele ser muito bonito, e ele era carismático, e ele era isso, ele era aquilo. Quando a gente para pra pensar, nada disso é muito relevante”, explora Paula sobre o caso.
Ainda, a escritora compara o fato com a repercussão do caso Jeffrey Dahmer, outro famoso psicopata norteamericano. “O Dahmer era um cara bonito, mas isso não é muito comentado. Eu acho que isso é muito mais cuidadoso do que você ficar falando que o Ted Bundy era muito bonito. E aí quando você vai ler a história do cara, ele chegou a comer carne humana, e isso não é dito”, critica.
No entanto, apesar de criticar e reconhecer a abordagem romantizada e sensacionalista em alguns projetos True Crime, a autora vê de forma otimista as mudanças feitas nas últimas produções. Para ela, o gênero está caminhando na direção certa, se adaptando à demanda do público, e aprendendo a cada erro a melhor forma de abordar tais casos, sem tornar criminosos em heróis.
